Entre a vergonha e o medo
Ideias
2024-04-22 às 06h00
Ao longo da minha carreira aprendi vários tipos de algoritmos, uns mais labirínticos do que outros. Remonto aos tempos estudantis e lembro-me de ter analisado a sua complexidade, as classes P (de tempo polinomial) e NP (tempo polinomial não determinístico), de aprender sobre os gulosos, para além dos dinâmicos. Relembro ainda a sua definição, como sendo um conjunto de instruções para realizar um cálculo ou para resolver um problema. É verdade, os algoritmos ajudam-nos a resolver problemas! Quem me acompanhou e suou em bica, ao longo daqueles maravilhosos mas difíceis anos, conhece bem a complexidade destas matérias. Não me recordo, felizmente, de ter aprendido sobre algoritmos mentirosos ou trapaceiros, nem tão pouco sobre algoritmos inteligentes ao ponto de se preocuparem com a minha carteira e bem-estar.
Acabo de receber um telefonema de um indivíduo chamado Josh. Não faço a mais pequena ideia de quem é este personagem, mas pela conversa cheira-me a esturro. “Boa tarde, Sr. Álvaro, como tem passado? Eu sou o Josh, funcionário da empresa Blockchain. Estamos a ligar-lhe, porque o senhor tem aqui uma carteira digital e o nosso algoritmo alertou-nos de que o valor que lá tem é já considerável e que o deveria retirar para não o perder.” De início fiquei sem reação, estupefacto. Não entendi quem era este indivíduo nem qual o seu objetivo. Não me recordo de ter feito um registo no portal da referida organização, nem tão pouco de ter uma carteira digital. Fez questão de me demonstrar a sua franqueza, confirmando o meu registo em março de 2011. Salientou que desde essa data não teria mais entrado no portal, motivo pelo qual a minha conta e respetiva carteira tinham sido bloqueadas. “O algoritmo não mente Sr. Álvaro, é inteligente! Hoje é o seu dia de sorte e vou ajudá-lo a recuperar a sua conta e dinheiro.”
Hoje foi o hilariante Josh, mas há tempos fui contactado pela Anisha, do departamento de segurança da Microsoft, que procurava auxiliar-me com suporte técnico remoto. Segundo a história da senhora, o meu computador teria um problema grave. Consequência dessa gravidade, o meu Windows estaria a disseminar um perigoso vírus pela rede da organização. Relativamente a esta situação, respondi-lhe que sou apaixonado pelo sistema operativo Linux e nem sabia bem o que era isso de Windows. Portanto, deixei-lhe a dica de que o vírus estaria, provavelmente, a ser derramado pelas janelas da minha querida vizinha.
Revivo a trapaça do Vigário e a contínua procura pela sofisticação do próprio conto. Através da sua narrativa sobre o falsificador de notas, o vendedor de gado e seus irmãos, Pessoa realçou a universalidade da imoralidade e a sucessiva falta de ética de alguns indivíduos hábeis, que procuram lucrar à custa do elo mais inocente e desinformado. Na verdade, vigários como o Vigário e como este meu novo conhecido Josh, por email ou telefone, ou até batendo à porta de casa, multiplicam-se como parasitas, quais desagradáveis sanguessugas acenando e gargalhando aos justos.
Sinceramente desconheço os determinantes psicológicos que motivam uma pessoa a cometer este e outro tipo de fraudes. Imagino, porventura, a ganância ou até a desonestidade como fatores vitais em todo este processo. Terminei a conversa com o Josh perguntando-lhe o seu verdadeiro nome, ao qual me respondeu apenas com uma valente risada. Enfim, como conseguirá ele aguentar a sua autoconsciência, que certamente o mantém acordado à noite? Como validarão o seu comportamento este tipo de parasitas? Será que no futuro se perspetivam novos “Joshs”, reais ou artificiais, capacitados de algoritmos inteligentes que até se preocupam com a nossa carteira?
*com JMS
13 Junho 2025
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