Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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O Grilo

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2012-08-13 às 06h00

Escritor Escritor

Por Joaquim do Carmo


“Oh minha mãe dos trabalhos
Para quem trabalho eu?
 Trabalho, mato o meu corpo
Não tenho nada de meu!...” *
 
Pelo vale do Rio da Mina abaixo ouvia-se, melodiosa, a voz de Maria. Era um espaço calmo ao qual grandes arvoredos, filtrando o sol nos dias quentes de verão, davam agradável frescura e harmonia. Maria era uma das mulheres que, semana a semana, se encontravam lá em baixo, no lavadouro da terra atarefadas, desde bem cedo, a lavar as roupas da família. O rio, de águas cristalinas, mostrava-se paciente e submisso às pancadas, mais ou menos violentas com que as lavadeiras, com as peças de roupa maiores, agitavam a corrente. A meio da encosta verdejante, da boca de uma mina que lhe dava o nome, ele assomava à luz do dia, sonolento, a espreguiçar-se pelo vale, indiferente às voltas a que seria obrigado para alimentar o lavadouro público.
Como a maioria das mulheres da aldeia, Maria acordava todos os dias ao cantar do galo. Mal se levantava, preparava a lancheira que o marido levava para o almoço, seguindo na carreira, bem cedo, para a cidade onde trabalhava. Entretanto, com as duas crianças que já alegravam o seu lar, iniciavam-se os afazeres matinais. Nessa altura, já o pai havia saído e Maria, incansável na luta pela subsistência da família, a crescer, agarrava-se ao tear onde também crescia, num ticla-tacla monótono e persistente, a peça de tecido com que juntaria mais algum provento ao parco salário do marido.
Uma vez por semana, habitualmente à segunda-feira, esta rotina era alterada para ir ao rio, lavar a roupa no lavadouro público. As crianças ficavam ao cuidado da avó, que residia ali perto, onde podiam brincar com outros primos, também acolhidos nessa espécie de infantário familiar. Desta vez, porém, Maria combinara, havia algum tempo, levar as crianças consigo. Mais crescidos, já seriam boa companhia e, até, se necessário, poderiam dar-lhe alguma ajuda, a possível na sua tenra idade.
Para Casimiro, o primogénito, os últimos dias tinham custado muito a passar, tão ansioso estava por esta nova experiência. Não falava de outra coisa, sempre que tinha oportunidade de meter conversa com os mais crescidos: p’ra semana vamos ao rio com a mãe, vou levar um saco de roupa para lavar, já sou grande! E preparava, com o cuidado próprio dos estreantes e juntando coisas cuja utilidade a mãe não entendia, essa grande aventura no vale, leito do Rio da Mina.
Sempre aos saltinhos, com certeza da alegria com que viviam esta nova experiência mas, também, para não se atrasarem da mãe, de passada mais larga, Casimiro arrastando a mana pela mão, lá chegaram juntinhos ao lavadouro.
- Como estão crescidos, Maria, os teus filhos! E o Mirito, um homenzinho, benza-o Deus!... - cumprimentaram, à chegada, as lavadeiras mais madrugadoras.
- Com tantos elogios, ele ainda rebenta, de tão inchado!... - respondeu Maria, tentando disfarçar o orgulho que lhe ia na alma
Era verdade, Casimiro irradiava felicidade. Entretanto, começava a tarefa da mãe, com a Rosinha a iniciar-se nas artes da lavandaria. O miúdo, aliviado do saco que ajudara a transportar, ficava disponível para dar início à exploração do lugar.
- Não vás para longe, Mirinho, podes magoar-te! Não te quero ao pé da mina!
 
“Oh Vida da minha vida,
Dona de meus pensamentos:
Dá-me, em teu seio, guarida
E alivia meus tormentos! …” *
 
As conversas das mulheres, quase sempre mexericos, não prendiam a atenção de Maria. Preferia fazer o seu trabalho cantando, alegrando o vale com a voz doce e cristalina, apesar da dureza dos seus dias. Casimiro deixou de a ouvir, atento apenas ao cri-cri que o convocara mal se afastara das mulheres. Muito sorrateiramente, sem mexer pedra nem folhedo, estreitara-se bem contra o chão, banhado de sombras, até encontrar o buraquinho de onde vinha aquele canto estridente, inesperado concorrente de sua mãe. Uma palhinha na mão, cuidadosamente rodada entre os dedos pequeninos, alguns minutos de paciente espera e… eis que surge o cantor, bem a jeito de entrar na caixa de fósforos vazia que escondera no bolso: prova superada!
- Mirinho, onde estás? Vem cá, filho! Ajuda-me a estender estes lençóis a corar ao sol. Depois é só passá-los bem por água limpa e poderemos regressar a casa.
Com cuidado, para não esmagar o seu novo companheiro, Casimiro lá foi ajudar a mãe, aproveitando para roer umas côdeas da broa deliciosa que ela cozia todos os Sábados, à tarde, no forno quentinho do anexo da casa, entre o jardim e a horta para, com as saborosas e reconfortantes sopas de feijão e hortaliça, alimentar a família toda a semana.
Chegava a hora do regresso. Com a roupa molhada, mais pesada, era difícil dar grande ajuda. Restava um saco com sabão e algumas molas de prender a roupa. Outra vez aos saltinhos, apesar do calor intenso que se fazia sentir, Casimiro e a irmã, sem dar parte de fracos, seguiram a mãe, sempre ligeira, a caminho de casa.
Enquanto Maria pendurava a roupa no estendal, Mirinho, orgulhoso de sua caçada, deleitava-se com a reacção da Rosinha ao vê-lo mudar o amigo recente para a nova casa, mais espaçosa e iluminada. Pouco tempo depois, meio escondido entre a folha de alface que resistira ao seu apetite inicial o grilo, já ambientado, soltou o cri-cri tão esperado, para alegria dos miúdos. Só então a mãe percebeu o empenhamento do Casimiro, nos últimos dias, em descobrir uma caixa de fósforos e um frasco grande de vidro transparente.

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