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O incêndio em Barcelos que ameaçou a vida de D. Maria II

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O incêndio em Barcelos que ameaçou a vida de D. Maria II

Ideias

2025-05-11 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

As Festas das Cruzes, que terminaram em Barcelos há uma semana, constituem a primeira grande romaria do Minho. Nesta localidade, aglomeram-se, nesses dias festivos, milhares de pessoas, que vivem de forma intensa esta romaria.
Ao longo das várias edições das “Cruzes”, ocorreram diversos episódios que acabaram por ficar na memória das pessoas. No entanto, o caso mais mediático ocorreu no dia 6 de maio de 1852 e envolveu a rainha D. Maria II e a família real.
Nesse mês de maio de 1852, D. Maria II realizou uma visita a Viana do Castelo. Contudo, antes de seguir para esse destino, resolveu aproveitar o percurso e assistir presencialmente às Festas das Cruzes, que se realizam em Barcelos.

Estas festas foram adiadas para os dias 6 e 7 de maio de 1852, precisamente para que a Rainha pudesse assistir a esta romaria, em conjunto com o seu marido, D. Fernando (juiz honorário e perpétuo da Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz), o príncipe D. Pedro de Alcântara (futuro D. Pedro V), os infantes D. Luís Filipe (futuro D. Luís I) e D. João Maria, duque de Beja. Assistiram ainda à Festa das Cruzes desse ano o célebre marechal duque de Saldanha, o duque da Terceira, o conde da Carreira, bem como outras figuras da Corte portuguesa.
A comitiva real partiu de Vila Nova de Famalicão para Barcelos dentro de liteiras, que eram as mais cómodas e luxuosas carruagens da época. Quando chegaram a Barcelos, a 6 de maio de 1852, foram recebidos pelas autoridades locais e por grande entusiasmo popular.

A presença da comitiva real em Barcelos exigiu uma logística complexa, sendo necessário proceder a uma análise das principais habitações da vila que reunissem condições de dignidade para acolher os membros da família real. Após a devida prospeção, concluiu-se que a habitação que oferecia melhores condições “era a das senhoras Simões, e que hoje pertence à excelentíssima família Salazar, à qual está ligado o senhor Mário Norton pelo casamento, sendo também a sua residência”.1
Depois de várias horas de viagem entre Vila Nova de Famalicão e Barcelos, seguidas de uma longa sessão de cumprimentos -tanto por parte das autoridades locais e regionais, como de numerosos cidadãos - a comitiva real acabou por jantar. Após a refeição, todos os convidados recolheram para descansar.

Segundo um folhetim de J. A. P. T. publicado pelo Padre Ruela Pombo na “Descrição da Viagem de Suas Magestades ás Províncias do Norte em 1852”, que se encontra na Biblioteca Nacional de Lisboa, depois do jantar, pelas 23 horas do dia 6 de maio, sentiu-se fogo na Casa das Senhoras Simões, onde estava hospedada a família real, “de tal forma foi ele que ardeu todo o edifício e foi uma felicidade não passar ás casas fronteiras porque então o incendio seria infalível em quasi toda a vila por não haver senão duas péssimas bombas e terrivelmente servidos de agua”.
Aos primeiros sinais de fogo, a sentinela do Paço Real gritou desesperadamente “às armas”, e, de imediato, toda a guarda presente foi formada, colocando-se às ordens do comandante. Este ordenou que os soldados se dispusessem em redor do edifício, autorizando a entrada apenas aos elementos pertencentes à Companhia da Bomba de Barcelos.

Assim, pelas 23 horas, segundo “o relógio do nosso município, em 6 de maio de 1852, e alguns minutos andados, se deu dela conta que, nos baixos do prédio, já lavravam com bastante intensidade as labaredas - de um incendio brevemente difusivo e na posse de todo ele”. 1
A propagação rápida do incêndio deveu-se às pinturas e oleados recentes, assim como à muita quantidade de “sêdas e os damascos com toda a tapeçaria, ali reunidos em conjunto, para ornamentar o paço real”.1
O pavoroso incêndio que deflagrou naquele magnífico palacete rapidamente assumiu proporções dramáticas, alastrando a todas as dependências do edifício, que ficou quase reduzido a cinzas, excetuando-se apenas as paredes, que permaneceram de pé. Os prejuízos sofridos foram incalculáveis, uma vez que desapareceram por completo o precioso recheio da casa e todos os objetos de uso pessoal da família real.
O que impediu que as consequências fossem maiores foi o socorro prestado e ainda o “zelo e dedicação que desenvolveram todos os habitantes de Barcelos, toda a força militar e com especialidade o Destacamento do n.º trez de infantaria que fez serviços relevantíssimos”. 1

Perante tal pânico, D. Maria II saiu para a rua com a roupa que se encontrava a dormir. Neste momento “foi conduzida pelo braço do Snr. Visconde de Pinheiro atravessando quasi toda a vila até chegar á casa aonde estava de quartel Sua Excelencia o Duque da Terceira”.1 Também D. Fernando andou pelas ruas de Barcelos “descalço e em ceroulas e apenas com um casacão em cima dos hombros”.1 No meio de tal pavor, um cunhado do Conde de Santa Maria (António dos Santos Abranches) ofereceu ao Rei os chinelos que calçava, preferindo ficar descalço ao ver D. Fernando em estado tão deplorável. Segundo “O Barcelense”, de 13 de maio de 1967, uma das pessoas que apareceu a prestar auxílio foi “o saudoso escrivão de direito Snr. Eduardo Coelho Lima, avô das nossas conterrâneas e prestáveis senhoras D. Elisa e D. Delfina Garrido que do meio dos escombros conseguiu salvar uma bengala de castão de oiro pertencente a EI-Rei D. Fernando de grande valor, mas acima de tudo de estimação que, para premiar o gesto tão cavalheiresco e denominador de valentia o fez nomear escrivão de direito em Barcelos, lugar que foi creado propositadamente para ele”. De referir ainda que o Príncipe e o Infante foram conduzidos embrulhados em mantas, nos ombros de um oficial e de um soldado.
Após o incêndio, a família real foi hospedada no palacete do Barão da Retorta, onde se encontrava já hospedado o Duque da Terceira.
Apesar de toda esta terrível situação, a Rainha e o Rei assistiram no dia seguinte, 7 de maio de 1852, à Festa das Cruzes, tendo ainda marcado presença no Templo do Bom Jesus da Cruz, em Barcelos.
De referir que a casa incendiada foi restaurada por ordem de D. Maria II.

1 - “Acção Social”, de 31 de outubro de 1925
2 - “O Barcelense”, de 13 de maio de 1967

P.S.: Desejo que a eleição do Papa Leão XIV, que ocorreu a 8 de maio de 2025, funcione como um farol de orientação e inspiração para o Presidente de onde é natural, os EUA. O percurso de emigrante de Leão XIV e as suas primeiras palavras centradas em “Vós” e não em “Nós”, são bem fortes, para quem as quiser entender, a começar pelo Presidente dos EUA.

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