Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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O lume apagou-se

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2022-07-26 às 06h00

Escritor Escritor

Texto Manuel C. Correia

O lume apagou-se. Foi uma longa noite de divagações e reflexões de outras fogueiras. De regresso a casa ainda sentia aquele calor no peito, uma mistura de infravermelhos do fogo e o calor que me dilatava e fervia de excitação, aquele olhar cintilante. Nem o cansaço me fazia apagar imagens penetrantes e fogosas, qual lume qual gelo, na cama o meu corpo percorria e calcava o colchão de palha já amassado de tanto rebolar como se fosse um cilindro que calcava a brita numa estrada em construção. O meu corpo já estava moído e não encontrava posição para dormir, estava preso aquele olhar, e, tentava imaginar paisagens conhecidas, mas o rosto aparecia em todas as formas. Já transpirava e tirei a roupa, dizia para mim, esquece, tens que dormir amanhã é dia de trabalho. Fiquei chateado comigo mesmo e reprimi-me num tom de voz zangado. E eis que, finalmente, o cansaço acabou por ganhar e fechei os olhos num sono profundo. O lume voltou a acender e um sonho surrealista iluminou a tela. Um corpo nu com contornos desvirtuados, que mudava de rosto, e, eu fazia um esforço para o reconhecer, para que fosse aquele rosto que tanto queria ter ali, sim no sonho, como se fosse uma pintura de Salvador Dalí, abraçava-me e beijava-me e a boca mal me tocava por inteira, tal era a curva dos seus lábios.
O toque estridente do despertador fez-me regressar do sonho surrealista, e depois de cinco minutos de sorna, deitei os pés fora da cama e voltei ao quotidiano do dia-a-dia. Mas aquele rosto permanecia estampado no meu cérebro. As chamas que se interponham entre aquele rosto e eu continuavam a arder, e eu continuava a suspirar por ela. Voltei ao lugar em que a vi, dei voltas e voltas como se fosse caminhada de manutenção e nem sinal. Por vezes olhava ao fundo da rua via um ser feminino com traços traseiros semelhantes e eu corria excitado, até ver que não passava de pura ilusão de ótica!
Acabei por esmorecer e pouco a pouco deixei de pensar nela. Nunca mais a vi, nem em sonhos, nem em pensamentos forçados, segui o caminho ao sabor do vento, até onde o destino me levasse. De vez em quando parecia-me ver alguém a passar num autocarro e despertava-me o fantasma que eu já tinha esquecido, e por momentos revivi aquela fogueira, o lume arder, o rosto perfeito e iluminado, e dizia para mim, esquece, e continuava o meu caminho.
Isto de sentir o estômago a roer de amor, é uma boa dor, um formigueiro que se sente quando a mente beija e deseja! Muitas vezes pensei quantas mulheres amei e quantas me amaram? Às que me amaram e eu não as amei eu peço desculpa, e aquelas que não me amaram eu perdoo. Por vezes penso, quantas mulheres se casaram para não ficar solteiras, melhor ficassem, pois parte delas só o fizeram por amor a elas próprias e eles que se casaram porque acharam que iriam ser reis na cama e na mesa, e depois acabaram por ser bons cozinheiros e cordeiros no leito!
O dia da fogueira aproximava-se e aquele fantasma apareceu do nada. Primeiro o despertar de algo que já tinha posto na secção do esquecimento, depois se a visse estaria acompanhada? Depois eu acabaria por não ter coragem de a enfrentar, coisas de tímidos, que mais tarde são o fruto do arrependimento, de autoflagelo, de cair no ridículo quando o não é sempre garantido!
Ação, luz e fogo! As palmas à volta da fogueira e um olhar de detetive que penetra em todos que o rodeiam. Entre a luz do fogo um rosto aparecia entre as chamas, aquele rosto, hum, vestido de coragem fui ao seu encontro. Era hoje que eu a ia conhecer, cada vez mais próximo, o brilho era quase como se fosse de um quadro de um pintor realista, uma beleza feita pelos deuses! Tropecei mesmo ao seu pé, quando me levantei, olhei e dei um sorriso, depois virei-me à gargalhada e todos se riram também, eles por eu ter caído e batido com a cabeça contra a camioneta que tinha um poster de uma bela mulher, aquela que eu tanto procurava. Nesse mesmo instante um rosto de carne e osso, essa sim uma bela mulher, olhou para mim e disse, mas és tu? E ficamos ali até o lume se apagar.

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