Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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O meu primeiro amor...

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2014-07-21 às 06h00

Escritor Escritor

Carlos Alberto Rodrigues

Tinha-a visto há alguns dias atrás numa das ruas da cidade onde agora morava. Olharam-se e ficaram parados como se aquela fosse a primeira vez que se viam. Mas não! A primeira vez tinha acontecido há uma eternidade, na erosão dos tempos das suas infâncias e num outro sítio, que não aquele que o destino agora lhes tinha marcado.

Hoje ele era escritor, ela era modelo e famosa nas mais conhecidas passerelles: de Milão a Paris passando por Nova Iorque. A primeira vez que se encontraram não foi entre o betão e aço dos prédios aglomerados uns “em cima” dos outros ou do alcatrão das estradas ou tão pouco entre a correria de gente que se atropela e arrasta com tal pressa como se não existisse amanhã.
Pelo contrário, tinha acontecido entre o verde dos campos e montanhas e do arvoredo que se vislumbrava entre o casario que descia encosta abaixo desde as montanhas até ao “centro” daquele pequeno lugar que os viu nascer.

Apenas de vez em quando um ou outro carro interrompiam a quietude daquele quadro com pinceladas dignas de um grande pintor, onde o verde imperava sob a imponência das montanhas e de vales que eram serpenteados pelas águas transpa-rentes e límpidas do rio.

No centro da aldeia era onde se concentrava o maior número de casas, a Igreja o campinho de futebol, o café - ponto de encontro sobretudo aos fins de semana de quase toda a população, a aldeia caiada de branco onde descansam na eternidade aqueles que já tinham feito a grande viagem. Uma aldeia especial, o lugar que o viu nascer, crescer e tornar homem.

Até partir para a cidade as maiores alegrias tinha-as conseguido naquela aldeia durante a infância na companhia de seus avós e tios que lhe ensinaram as lides agrícolas: podar, lavrar as terras, vindimar, cortar e tratar da lenha… um lugar mágico que se encontra mesmo à entrada das serranias que completam aquele santuário natural que dá pelo nome de Gerês.

A serra do Larouco fica mesmo no “canto” deste quadro impressionista pintado de cores vivas, alegres e frescas como as águas que corriam em abundância pelos campos de verde vestidos, pelas várzeas e veredas em direcção ao rio que passava a poucos metros da aldeia com “casinhas” caiadas de branco. Ali parece que as cores ganhavam outros tons talvez pelo ar puro que se respirava.

Naquele lugar havia um frondoso Carva-lho centenário que oferecia sobretudo nos dias mais quentes do estio a sua apetecida sombra. Foi sobre esse Carvalho num Verão das suas infâncias que se falaram pela primeira vez.

Ela vinha das proximidades onde se situava o moinho comunitário onde deixou farinha para torná-la em pão, enquanto ele já lá estava a descansar entre as lides do campo: lia um livro que como sempre trazia como companhia para a aldeia para ler sempre que era possível. E porque conhecedor daquele local como ninguém foi fácil ela cruzar-se com ele.
- Então, mais uma vez de volta à aldeia? Não gostas da tua cidade?
- Viva para a menina! Como ainda estou lá há pouco tempo e já mudei de casa mais de uma vez, está a ser difícil criar amizades, para além de ainda não estar habituado ao ritmo da cidade. Foi grande a diferença, sabes? E quando assim acontece a vontade de regressar é sempre grande pois é aqui que eles - os amigos - se encontram. Todos!

- E o meu irmão é um deles?
- Não tenhas a mínima dúvida. Tenho dez anos e desde o dia em que nascemos (sim, não era mentira, mas antes coincidência pois ele e o irmão dela tinham nascido no mesmo ano, mês e dia) que nos tornámos inseparáveis. Somos verdadeiros mosqueteiros, podes acreditar. Se duvidas, pergunta-lhe.
- Qual quê. Se o dizes é por que é verdade e acredito, sim senhor.
- E que tal deixares as cerimónias para depois. Pelas minhas contas tu és mais nova do que eu poucos meses, não é assim?

Ela sorriu timidamente como se tivesse dito alguma asneira.
- Quem não gosta muito desta dupla é o meu avô que volta e meia ouvimos gritar pelo neto porque não encontra o martelo ou a machadinha ou a foice. Outras vezes é por causa da fruta arrancada da árvore antes do tempo de a tornar madura para funcionar como “arma” de arremesso aos pássaros que voam em bando ou em qualquer outro animal.
- E tu? Como passas os dias?
- Quando há aulas, vou à escola, quando há férias espero por ti!

É claro que estremeci e até interrompi a leitura. Não estava à espera desta revelação. Nunca imaginei ouvir aquilo dito daquela maneira por aquela boca que sempre me chamou a atenção. Levantei a cabeça repentinamente - estávamos ambos deitados sobre a relva macia e fresca que cercava o nosso Carvalho a contemplar o céu e as formas que tinham as nuvens mais próximas, enquanto ela permanecia deitada com a calma que sempre a caracterizou com os braços a servir de almofada para a sua cabeça como se nada tivesse dito. Franzi o sobrolho. Contemplei-a da cabeça aos pés e apercebi-me que nunca antes tinha tido a oportunidade de a observar assim tão de perto de uma carícia de um toque ou de um beijo!

Tinhamos quase a mesma idade, por isso o seu corpo começava a querer desenvolver-se. De tez morena queimada pelo sol que nos verões não dá tréguas, olhos verde musgo e a cobrir-lhe aquela face oval uns longos e negros cabelos que lhe davam um toque exótico. Era linda e pronto! Aos poucos fui descendo o olhar. Imaginei seus seios em crescimento escondidos pela blusa branca de linho. Imaginei-a daqui a uns anos: altiva, bela e por onde passasse haveria sempre olhares gulosos, mas naquele momento era minha, e só minha. Ainda com algum receio, aproveitando ela estar de olhos fechados, passei suavemente os dedos entre os fios finos dos seus cabelos. Abriu os olhos cujo brilho transparecia a inocência daquela idade e sorriu. Pensei: Meu Deus: morri e fui para o Céu!

Que sorriso! Que boca! Apeteceu-me como nunca levar os meus lábios de encontro aos seus.
Pensei que alguém dissera com propriedade para aproveitar tudo de bom que me pudesse aparecer na vida. Assim, deixei-me levar pelo desejo e devagar fui de encontro aos seus lábios que achei húmidos e adocicados. Sorrimos. Ela retribuiu com outro beijo e afagou-me os cabelos colocando a minha cabeça no seu colo. Ficámos aconchegados longos minutos sem nada dizer.

Acredito que tal como acontecia comigo também ela estaria a pensar em mil e uma coisas. Afinal tinha sido o nosso primeiro beijo. Não era coisa pouca!
- Queres ser meu namorado sempre que cá voltares? Perguntou-me quebrando o silêncio do momento.
- Porquê só quando cá vier? Serei teu namorado mesmo quando estiver na cidade, assim será mais fácil até estar contigo.
Comigo o prometido foi devido. Durante os anos seguintes sempre à sombra daquele que já era o nosso velho e cumplice amigo Carvalho, dos nossos encontros dos beijos e abraços acontecia magia. Juntávamos nossos corpos num só e falávamos com carícias pelo meio. E sorrisos. Vivíamos como se nada mais existisse.
- Não imaginas o quão serias cobiçada se estivesses na cidade. Serias objecto de desejo e de prazer. Teríamos 18 anos quando lhe disse isto.
Pensava sempre na minha sorte em te ter encontrado primeiro que os outos.

Hoje parece-me sentir o teu odor. Olhava para ti como se fosses a minha musa inspiradora.
Percorri o teu corpo, imaginei rios entre teus seios que desaguavam na minha paixão. Tua boca que era como um porto de abrigo. Chegámos a fazer das estrelas lençóis nas noites quentes de Verão. Houve um tempo em que pensei que seria sempre assim. Aquele encontro recente depois de tantos anos sem te ver podia vir a ser uma nova etapa, com novas sensações. Aquele sorriso podia ter sido apenas o começo de alguma coisa mais…

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