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O preconceito de Lisboa em relação ao país que somos

A Cruz (qual calvário) das Convertidas

O preconceito de Lisboa em relação ao país que somos

Ideias

2018-10-01 às 06h00

Felisbela Lopes Felisbela Lopes

A frase é inequívoca e foi pronunciada, na semana passada, em discurso direto pelo reitor da Universidade de Lisboa numa entrevista ao Público e à Rádio Renascença: “eu não vou ver nenhum filho de um CEO das empresas do PSI-20 a ir estudar para as universidades o interior”. A resposta vinha na sequência de uma pergunta sobre a redução do número de vagas nas universidades do litoral a favor daquelas que estão situadas no interior e é a tal ponto inoportuna que custa ouvi-la a uma responsável máximo de uma instituição pública, financiada pelo Estado.
É um facto que quem mora em Lisboa experimenta uma dificuldade colossal em encarar como pares aqueles que habitam outros territórios. A província, como reiteradamente é designado o chamado resto do país (expressão também muito significativa), será, aos olhos de quem ocupa o centro, uma espécie de lugar para onde é atirada gente menor, com uma inteligência inferior e com capacidades mais reduzidas. É assim que a capital sempre olhou para fora de si.

É um facto que também nós permitimos os abusos cometidos por um modo centralista de percepcionar o país. Veja-se, por exemplo, a forma subserviente como recebemos os convidados que chegam de Lisboa para participar em determinados eventos. Transportamo-los para todo o lado com exagerado conforto, antecipamos todas as suas necessidades e apenas descansamos depois da despedida. Nada disso se passa, quando um de nós vai a Lisboa a convite de determinada instituição, nem tão pouco esses salamaleques existem entre aqueles que circulam pelos diferentes organismos da capital. Aí, não há tempo para protocolos bacocos e isso deveria constituir uma lição para todos nós.
Portugal tem ainda de percorrer um longo caminho de combate às assimetrias territoriais e, sobretudo, àquelas que estão enraizadas na nossa cabeça. Talvez estas últimas sejam mais difíceis de neutralizar, porque correspondem a uma maneira de ser que cresce connosco. Será esse o contexto que ajudará a ler o posicionamento do reitor Cruz Serra para quem será inconcebível ver um filho de um executivo de uma grande empresa estudar fora de Lisboa. Na sua opinião, o centro não pode esticar-se para a periferia, sob pena de perder competências.

Até certo ponto, Cruz Serra tem razão, mas a sua assertividade ultrapassa o que disse. Faltou acrescentar que, para além das universidades que frequentam, muitos dos alunos beneficiam de redes informais diversas. Por exemplo: das conexões que os seus professores fazem com o exterior pela acumulação de trabalho que desenvolvem em paralelo com a sua atividade de professor universitário; do nome de família que muitos ostentam e que nos direciona para determinados cargos; dos ambientes sociais que muitos estudantes frequentam e que lhes abrem portas para outros domínios... Na verdade, há um curriculum informal que uma capital propicia e que é irrepetível em qualquer outra região. Ora, se isso pode ser muito benéfico em termos de carreira profissional, não dota certos estudantes universitários de uma capacidade superior àqueles que fazem o seu percurso académico noutras geografias.

Como todos vamos percebendo, a excelência assim como a mediocridade não têm uma relação intrínseca com certas universidades, certas famílias e certos contextos sociais. Por isso, será sempre pacóvia qualquer arrogância reclamada por Lisboa. É verdade que quem habita o chamado resto do país tem uma espécie de complacência em relação a esta pseudo-supremacia, mas há limites para essa benevolência. Perante a frase do reitor Cruz Serra, custa constatar o silêncio que sobre ela se abateu, quebrado com alguma expressão pelo vice-reitor da Universidade da Beira Interior, João Canavilhas. Num post publicado na sua conta pessoal de Facebook, o académico escreveu isto: “Pela UBI já passaram filhos de ministros, de deputados, de CEO’s e sei lá que mais. Mas sabe, senhor reitor, o que nos orgulha verdadeiramente é receber filhos de agricultores, de operários têxteis, de carpinteiros e de mais um sem-número de profissões. De receber filhos de quem trabalha arduamente para lhes dar uma vida melhor do que aquela que eles tiveram. São esses pais e esses filhos que fazem de nós uma universidade verdadeiramente nacional e que presta um serviço público de qualidade ... apesar o subfinanciamento”. Que texto tão assertivo!

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