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O presidente não é analista político

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O presidente não é analista político

Ideias

2024-10-08 às 06h00

Jorge Cruz Jorge Cruz

“Prudência é não dizer tudo o que se pensa, mas pensar tudo o que se diz”.
(Aristóteles)

O Presidente da República decidiu adiar as viagens à Estónia e à Polónia, a primeira para uma visita de Estado, a segunda para participar no encontro informal do “Grupo de Arraiolos”, justificando tal opção pela necessidade de "acompanhar de perto" as negociações do Orçamento de Estado. Marcelo acrescentou mesmo que "os portugueses não iriam compreender", observando que estar longe do país, neste momento, "não fazia sentido".
Embora não me parecendo consensual na sociedade portuguesa, a decisão de Marcelo corresponde, obviamente, a um ponto de vista respeitável, mas que sustenta a ideia, que já faz caminho, de que o Presidente quer ter uma participação activa no processo.
É certo que inopinadamente Marcelo se recusou, entretanto, a falar sobre o assunto, considerando ser essa “a melhor maneira (…) de servir o interesse nacional”, até porque, segundo asseverou, “tudo o que o Presidente da República dissesse agora funcionaria negativamente, e não positivamente".
Finalmente, surge de Belém uma asserção que recolherá enorme consenso na opinião pública, mas que não pode deixar de levantar enormes dúvidas, aliás absolutamente legítimas, por se tratar de uma declaração em clara dissonância com a prática que tem vindo a ser seguida pelo Presidente.
Não é meu intuito colocar minimamente em causa o exercício da chamada magistratura de influência, que é um dos instrumentos ao dispor do Presidente da República, mas, numa sociedade democrática, como aquela em que vivemos, assiste-nos o direito – e mesmo o dever - de equacionar a forma como esse poder presidencial é exercido. E a verdade é que, desse ponto de vista, lamento ter de concluir que a interpretação que é feita por Marcelo está longe de ser a mais adequada, a mais perfeita.
E não o é, porque o exercício da tal magistratura de influência não é compaginável com uma determinada postura do Presidente da República, designadamente quando ele anda por aí à solta, junto dos jornalistas e, portanto, nos diferentes meios de comunicação, a pressionar publicamente os partidos e os principais protagonistas políticos. A questão central reveste-se de grande simplicidade e nada tem a ver, como alguns pretendem, com a liberdade de expressão, que naturalmente assiste a Marcelo. Para não exorbitar o seu poder, o Presidente tem que ser bastante mais recatado, falar em privado com quem entende ser útil dialogar, sempre com a preocupação, que claramente não tem existido, de se eximir de ser parte activa nos processos.
Andar há semanas a pressionar para que o Orçamento de Estado seja aprovado, primeiro tentando condicionar a acção do principal partido da oposição, e, mais recentemente, acrescentando a esse alvo o próprio governo, tudo fora do recato dos gabinetes, é uma prática que extrapola claramente as suas funções.
O grande escritor e poeta brasileiro Machado de Assis estava convencido que “há coisas que melhor se dizem calando”, convicção que, tudo o indica, está longe de ser assumida por Marcelo.
Na realidade, poder-se-á dizer que a magistratura de influência tem estado frequentemente a ser substituída por aquilo a que poderemos apelidar de magistratura interventiva. Compreendem-se, aceitam-se e até se aplaudem todas as diligências, todos os actos, tendentes a promover e garantir a estabilidade, mas não creio que tal desiderato possa ser atingido pela via que Marcelo tem percorrido, ou seja, na praça pública, bastante longe do recato dos bastidores.
Claro que esta não é uma postura presidencial inédita, bem pelo contrário, pode até considerar-se uma recidiva que está colada à pele de Marcelo desde há muito. Bastará recordar os tempos dos governos de António Costa e a crónica ausência de equidistância da vida partidária, já para não falar da sua aparentemente nunca abandonada postura de analista e criador de factos políticos.
Veremos o que sucederá agora com o Orçamento de Estado. A sua aprovação garantirá ao governo um largo suplemento de vida já que as eleições presidenciais do início de 2026 condicionarão, antes e depois, qualquer hipótese de dissolução da Assembleia da República. A fazer fé nas “ameaças” de Marcelo, o eventual chumbo do documento conduzirá a nova dissolução do Parlamento, o que obrigará a chamar de novo os portugueses às urnas para eleições legislativas. Neste cenário, não improvável, acredito que a popularidade de Marcelo, que já não é o que era, baixará para níveis baixíssimos.

* O autor escreve em total desacordo e intencional desrespeito pelo dito Acordo Ortográfico, declarando-se objector do mesmo.

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