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Braga, segunda-feira

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O que une os cidadãos aos políticos?

A Cruz (qual calvário) das Convertidas

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Ideias

2016-11-28 às 06h00

Felisbela Lopes Felisbela Lopes

Quando o Centro Missionário da Arquidiocese de Braga promoveu o I Fórum Missionário e convidou para uma das suas sessões o Presidente da República, confesso que fiquei logo muito interessada em saber como Marcelo Rebelo de Sousa responderia à pergunta que dava o mote àquele encontro: O que nos une? O convite para moderar uma conversa à qual se juntaria o Arcebispo de Braga trouxe-me o desafio de eu ser também parte de um diálogo que pretenderia de registo intimista. Um Presidente da República aceitaria isso?

Logo à chegada, Marcelo Rebelo de Sousa pediu para visitar a belíssima e surpreendente capela Imaculada do Seminário Menor. Lá dentro, mostrou-se interessado em cada pormenor. É sabido que Braga não é desconhecida para este PR, mas a conversa fluída que tem sobre os ambientes e o modo como se dirige a quem vai encontrando no seu caminho mais parecem de alguém que nunca daqui saiu. Uns segundos antes de entrarmos na sala, mete-me o braço e diz-me: “Eu quero ouvir as pessoas. Dê-lhes também a possibilidade de intervir”.

Ora, porque o tempo era escasso, tinha sido combinado que não haveria intervenções da plateia. Marcelo é avesso a formatos, já se sabe, e ali estava o primeiro sinal de que tudo decorreria sem grandes compromissos com um rígido protocolo. Restava saber se Marcelo conseguiria adoptar um tom que estivesse para lá de uma mera intervenção perante uma assistência que encheu por completo o auditório Vita.

Quando reparei que os meus interlocutores tinham preparado um discurso para ser lido, comecei a perder a esperança de que fosse possível desenvolver ali uma espécie de pensamento do ventre (a expressão é de Michel Maffessoli para locuções carregadas de traços da ordem do emocional). Lidas as primeiras intervenções, e já com o Arcebispo Primaz de Braga e com o Presidente da República sentados no sofá, lá arrisquei.

Baixei a voz, desacelerei as frases e lá comecei por lhes dizer a dificuldade que eu sentia em falar daquilo que nos une, quando leio na imprensa do dia que um terço da população sofre de ansiedade ou depressão, quando reparo que os mais velhos estão curvados perante uma solidão que rejeitam, que os mais jovens não conseguem entrar no mercado de trabalho e quando cada um à sua maneira sente ainda o peso de uma austeridade que nos tem esmagado...

Em frente a mim, eis um Presidente da República que não se desviou deste retrato, mas que, em tom agora muito intimista, lá nos foi falando da importância de construirmos a eternidade nos outros. Na vida de todos os dias. Naqueles que vivem no mesmo prédio e que nós insistimos em ignorar, naqueles que partilham connosco os mesmos espaços, mas que nós nem reparamos... Ao seu lado, D. Jorge Ortiga ia reforçando um registo que nos recolocaria no centro daquilo que dá sentido às nossas vidas: o Amor que deveremos sentir pela nossa vida e pela vida de quem está ao nosso lado.

Mas... e o mundo? O que fazer quando, no instante em que conversávamos, os media noticiavam que “faltam 10 dias para que se comece a morrer à fome no Leste de Alepo” e que ali estão mais de 250 mil pessoas, sendo essa notícia remetida para as margens noticiosas? Estaremos anestesiados para a dor, até mesmo para a morte dos outros?, perguntei. Arcebispo e PR não se desviaram do tópico e lá conduziram a conversa para múltiplas manifestações que refletem uma rotina de alienação que asfixia as nossas vidas. Nos mais variados contextos.

Não saindo do campo mediático, Marcelo Rebelo de Sousa haveria de falar de telenovelas, reconhecendo ser verdade que se torna cada vez mais difícil mobilizarmo-nos para ajudar alguém a quem falta tudo para uma vida digna, mas passamos horas a sofrer pela protagonista da telenovela que aqui e ali vai tendo os seus atropelos amorosos ou as suas dificuldades profissionais. Não sentimos compaixão por quem está ao nosso lado, mas ficamos comovidos diante de ecrãs de ficção. A cada anotação, percebíamos que o momento era para falar ao coração de cada um.

No fim da sessão, fiquei ainda uns segundos ao fundo da sala a olhar para um Marcelo que lá continuava a disponibilizar-se para incontáveis selfies ou para renovados abraços... É um Presidente ímpar, este, que ali esteve sentado no sofá a falar para centenas de pessoas como se estivesse na sua casa a conversar com cada um de nós sobre aquilo que é o lado mais humanista de um homem que se sabe de Fé. Não há muitos políticos assim. No Governo, António Costa também tem uma assinalável capacidade de se despir de uma certa formalidade. Ainda bem que é assim. Precisamos de olhar para os políticos com uma certa normalidade para acreditar que, de facto, esta classe é capaz de perceber o país que governa.

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