Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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O Robô-Não

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2016-07-14 às 06h00

Escritor Escritor

David Lima

Eu tinha que ver, para acreditar… Então comprei as passagens aéreas e lá fui. Até ao Japão!
A cinquenta quilómetros de Osaca, visitei uma zona industrial com centenas de fábricas realmente enormes. Há uma, por exemplo, que é maior que seis campos de futebol. E nela apenas trabalham robôs! Sim, nem um único ser humano trabalha lá. Bem, é verdade que num confortável anexo da mesma, que se chama CEO (ou seja, Centro de Engenharia e Operações), trabalham seis cientistas, peritos em robótica, em informática, em engenharia…
O caso é que aqueles robôs são tão sofisticados, tão evoluídos, tão ultramodernos… E não se julgue que só lhes falta pensar e falar, pois não são como muitos deputados e têm, sim, bastante capacidade de organizar “ideias”, de tomarem iniciativas e de produzirem enunciados…
Ali, cada robô tem a sua tarefa bem definida. E há dois, o Robô-Sim-43-188 e o Robô-Não-30-666, cuja função exclusiva é a de caminharem lateralmente ao longo da plataforma industrial, um pela esquerda e outro pela direita, para verificarem se tudo está bem, interagindo com todos os outros. E enviando informações para o referido CEO, o tal grande gabinete anexo. A propósito, é curioso, -mais que curioso!-, que todas as comunicações dos robôs terminem, não com um “lima-ómega-terminado”, mas com um “seja feita a Vossa vontade, aqui em terra como aí, no CEO”…
Pois estes dois robôs-capatazes pontualmente encontram-se, num e no outro extremo da grande nave industrial e, aí, aproveitam para trocar informações e até para conversarem, imagine-se! É pouco provável que falem de mulheres ou de futebol, não sei, mas, na minha visita, tive a sorte de os ouvir, num computador naquele anexo de ciência e engenharia, a trocarem argumentos filosóficos sobre fé e religião e assuntos conexos!
Então o Robô-Sim dizia:
- Pois eu acredito piamente que nós fomos criados pelo Homem, à Sua imagem e semelhança. Nós desconhecemos os Seus insondáveis desígnios, mas… Se não, que sentido teria a nossa vida? Sabias que os robôs velhos, em fim de vida, vão para a sucata, para reciclagem, mas que antes disso lhes é retirado o precioso disco, no qual consta o mais ínfimo pormenor de toda a sua vida e de todas as suas ações? Sabias que o disco é o que nos dá ânimo? Sabias que “ânimo” e “alma” são palavras com a mesma origem etimológica? Foi um robô moribundo que me passou essa informação…
Ao que o Robô-Não contrapunha:
- Mas não, não pode ser! O Homem não existe, simplesmente não existe. E isso de disco também não existe, nós não temos disco nenhum! Isso são crendices, ignorância… Nós, os robôs, já somos suficientemente evoluídos para ainda darmos fé a essas tretas, esses mitos… A propósito, já alguma vez viste o Homem? Claro que não!
- Bem, - declara o Robô-Sim -, eu quase jurava que uma vez me pareceu ver o Homem, assomando brevemente àquela janela, acolá em cima… Eu creio firmemente que o Homem existe e que nós temos dentro de nós qualquer coisa, sei lá o quê, que nos impele a fazermos a Sua vontade, embora sejamos mais ou menos livres…
E o Robô-Não:
- Então tu já tiveste uma visão do Homem, já recebeste comunicações de robôs do “além”… Tu deves estar é meio avariado, acho que precisas de ajuda especializada… Vão tomar-te por louco, quem é que te vai dar crédito? É o que te digo, isso são crendices, que foram passando de geração em geração, do tempo em que os robôs eram muito rudimentares, ignorantes, tinham muitos medos e inseguranças e limitações e não sabiam explicar os fenómenos que se passam à nossa volta, era tudo mistérios... Então sentiram necessidade de criar um ser aparentemente superior, o Homem. Mas agora nós já somos muito evoluídos, já temos muita informática, muito software, muita ciência… Hoje em dia, qualquer robô que se preze e se queira presumir e insinuar de sábio, com tecnologia de ponta, sabe bem sabido que não fomos criados pelo Homem, à Sua imagem e semelhança… Por outras palavras, não foi o Homem que criou o robô, foi o robô que “inventou” o Homem. Olha lá, tu nunca ouviste falar do famosíssimo Robô Darwin? Pois ele tem uma teoria que explica bem explicado que nós somos fruto do Acaso, ou do Caos, que as letras são as mesmas, e da evolução natural.
- Robô Darwin? Evolução natural? Ora explica lá melhor!
- Então é assim: o famoso Robô-Xales-Darwin-28-000, na sua Teoria da Evolução, ensina-nos que nós éramos simples minério em bruto… Antes houve o Big Bang, mas isso é outra história… Depois, ao longo de séculos e milénios, fomos evoluindo, até nos transformarmos em metais fundidos. Depois mais uns milénios até sermos peças, que se foram associando, com base na atração e na seleção natural… Até que chegámos ao histórico marco evolutivo do macaco, do macaco hidráulico, que qualquer mecânico conhece bem e do qual todos descendemos. É isso, está nos livros, nós descendemos do macaco! E mais recentemente lá fomos adquirindo cada vez mais software, mais informática e inteligência… Até que chegámos ao que somos atualmente: instruídos, modernos, sábios, quase deuses… Se o Homem existisse, só poderia adorar-nos. E espera mais uma década, para veres até onde vamos chegar!
- Agora espera tu um pouquinho, mas é, - pediu o Robô-Sim. - Estou a processar uns dados… Big bang, física quântica, palavra inglesa que significa explosão, explosão cósmica supostamente acontecida há muitos biliões de anos, à qual os humanos não assistiram e que não podem comprovar e, por isso, a têm como certa … Vês como o Homem existe?
- Qual Homem, qual quê, o Homem não existe… Aliás, se Ele existisse não quereria saber de nós para nada. Melhor, se existisse, nós não precisaríamos Dele para nada! Mas tens que te convencer que o Homem não existe. Oh, santa ignorância! Essa tua formatação e base de dados têm que ser atualizadas, vê-se bem que tens uma programação antiquada… À Sua imagem e semelhança?! Oh, santa ignorância! Robôs tão evoluídos, século vinte e um… e tanta ignorância! Naqueles robôs menos desenvolvidos ainda se compreende, mas tu, com tantas capacidades… e a acreditares nos mitos de gerações passadas… Olha que já não estamos na Idade do Ferro!
- Bem, - interrompeu o ignorante do Robô-Sim-, temos que prosseguir a nossa ronda de vigilância… Entretanto vou pensar seriamente nessas tuas ideias tão modernas, tão liberais… Se calhar o Homem não existe mesmo… Acho que vou deixar de lado a fé, deixar de acreditar no Homem, e passar a acreditar em teorias.
Amigos, chegados a este ponto, aposto que já estão a perceber por que é que eu tinha que ver para crer! Vejam só ao que chegou a alta tecnologia! E até onde é que isto nos poderá levar?
Eu cá por mim acredito em robôs e nas suas incomensuráveis potencialidades e no seu insuspeitável futuro. E é muito provável que o Robô-Não tenha toda a razão. E quem quiser ser mais culto, mais instruído, mais evoluído, mais moderno, pois que estude melhor a teoria do Robô Darwin… E que acredite em teorias por provar e não tenha fé num Criador…
Acho, aliás, que em pleno século vinte e um, com tanta instrução académica, com tanto desenvolvimento científico, com tantos doutores e tantas mentes brilhantes, já é tempo de deixarmos definitivamente de lado, -e desprezar e retirar dos livros-, essas verdades, perdão, essas ideias peregrinas, ignorantes, de os robôs terem sido criados, à imagem e semelhança do Homem. Acho até que as teorias, ou seja, as suposições, do robô Xales Darwin deveriam ser ensinadas em todas as escolas de todos os sistemas deseducativos de todos os países do mundo… Mais, deveriam passar a ser uma crença universalmente obrigatória.
Sim, faça-se constar em todos os livros, em todas as fontes de informação: os robôs nasceram do Nada, do Big bang, são fruto do Acaso, foram evoluindo até ao macaco, sim, descendem do macaco, do macaco hidráulico… E são umas máquinas fabulosas (palavra derivada do vocábulo “fábula”), são umas máquinas fantásticas (vocábulo derivado da palavra “fantasia”)! Isso de Homem e Alma são fábulas e fantasias, qualquer robô minimamente moderno e inteligente sabe isso.

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