Um batizado especial
Ideias
2021-02-20 às 06h00
AComissão Europeia durante a semana que passou (no passado dia18) apresentou a sua renovada estratégia em termos de política comercial. As palavras de ordem são “abertura”, “sustentabilidade” e “autoconfiança”. Palavras eloquentes, atra- entes e, naturalmente, consensuais! No entanto, há aqui o risco de se tentar fazer uma espécie de “quadratura do círculo” (ou “circulatura do quadrado”) que, inevitavelmente, acabaria por levar a uma dissociação entre a narrativa oficial e as ações concretas da política efetivamente prosseguida – e isso, ainda que falemos apenas de uma espécie de “palavras de ordem”. Palavras suficientemente “plásticas” para acomodarem, com um mínimo de boa vontade, qualquer tipo de ação concreta que possa vir a ser empreendida. Mas, já lá iremos a esse risco assinalado. Por agora, tentemos compreender esta necessidade de reajustamento e de clarificação de objetivos estratégicos.
Importa notar que a União, tradicionalmente, tenta seguir uma política de equidistância colaborativa com todos os blocos económicos e comerciais. Ainda recentemente, a propósito das linhas da agenda europeia 2019-2024 e no contexto do lançamento da Presidência portuguesa do Conselho, tal foi reafirmado. Também muito recentemente, a União celebrou o acordo comercial com a China, projetando alguns aspetos das relações que se pretendem fomentar, facilitar e consolidar com aquela potência – o que acabou por suscitar um comentário relativamente incomodado, por parte de um alto responsável da nova administração Biden. O foco de tal reação norte-americana incidiu sobre a conveniência de a União dialogar com os parceiros (entenda-se, os Estados-Unidos) antes de empreender ações daquele tipo que poderiam (e podem) ser contraditórias com a também proclamada prioridade de fortalecimento do “eixo atlântico” (Estados – Unidos e União). Sucede que, durante o ano de 2020 e durante a pandemia, a União tornou-se o maior exportador para a China (707 biliões de Euros de exportações), suplantando em 37 biliões de Euros o volume de negócios dos Estados-Unidos com o país de Xi-Xiping. Dito de outro modo: o peso das exportações da Europa para a China (e o volume de investimentos chineses na Europa), tornam compreensível e inevitável a posição de “abertura” da União relativamente à China, independentemente da estratégia dos seus parceiros – nomeadamente, da estratégia eventualmente seguida pelos Estados-Unidos. Por outro lado, como referiu o vice-presidente da Comissão, Valdis Dombrovsky, “85% do crescimento a nível global ocorrerá fora da Europa, na próxima década. Assim, mesmo que a crise atual alimente a tentação de olhar para dentro, esta não é a resposta certa.
A UE tem um superavit comercial substancial, pelo que fechar-se ao mundo só levaria a piores expetativas económicas”. Clarificando: a “chave” da recuperação económica passa, para a Europa, por poder estar presente e interagir comercialmente com todos. E, tendo uma política (pelo menos, em termos estratégicos) inovadora e firme, relativamente ao combate às alterações climáticas – que passa pela digitalização intensa e “justa” da economia, podendo, assim, exponenciar a criação de riqueza de uma forma “limpa” e “sustentável” – a União pode ter, então, “autoconfiança” no seu futuro próximo e na sua capacidade de superação da crise violenta em que submergimos.
Neste quadro, compreende-.se, portanto, o foco europeu na “abertura”, na “sustentabilidade” e na “autoconfiança”. Mas, regressemos aos riscos que sugerimos poderem existir. Ora, falando de “abertura”, diríamos - recordando-nos de uma notável criação da cultura europeia, a saber, “As aventuras de Tintin” – que a União aspira comercialmente a ser uma espécie de Sr. Oliveira da Figueira! A personagem portuguesa, comerciante, exímio vendedor que consegue vender tudo a todos, aparecendo em todo o lado, nos mais recônditos extremos do Oriente, de África ou das Américas. Uma personagem simpática, ligeiramente excêntrica e quase omnipresente. No entanto, uma figura muito pouco relevante, no desfecho das “aventuras” narradas pelo traço de Hergé! O Senhor Oliveira da Figueira nada mais quer do que vender, dando-se lusitanamente bem com todos. É simpático, mas pouco ouvido. Não tem lado, não tem partido, nem outra causa que não seja o “seu” comércio; respeita e trata todos por igual… não tanto por convicção, mas mais por conveniência.
Ora o risco de uma “abertura” a tudo e a todos da União, ainda que sob o prisma comercial, é precisamente esse: resvalar numa espécie de Sr. Oliveira da Figueira, mais rica, mas igualmente irrelevante. Perder as causas que a caraterizam e em relação às quais é pioneira. Perder força como exemplo civilizacional e, por conseguinte, não se fortalecer como influenciador político, na cena mundial. E isso comprometeria outra das (também expressamente reafirmadas) prioridades estratégicas da União: precisamente, reforçar os seus valores e o “modo de vida” europeu.
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