Correio do Minho

Braga, terça-feira

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Olh’ó Boneco

A Economia não cresce com muros

Ideias

2017-06-18 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Não tivesse eu frequentado um curso avançado de condução canina, numa academia da banda rural de Braga, e não me teria sido possível escrever a crónica que vos trago a conhecimento. Pois não é que um destes dias, saindo de sombra frondosa para as inclemências solares do largo dos bombeiros, baixando os olhos para me resguardar, não dou com os ditos em dois cachorros que dialogavam sobre uma inovação sanitária da cidade?

Bem sei que o leitor se surpreenderá com esta mestria que atesto; antecipo, até, que não me acorde as confianças que Hollywood faz a um Eddie Murphy, mas que os cachorros estavam a louvar a cão-sentina, lá isso estavam. Deplorava, o que tinha ares de contestatário, que a obra não tivesse sido executada a preceito, que um rampeamento houvesse sido ignorado, ao presente inviabilizando o acesso de cão-panheiros de mobilidade comprometida - pernetas e obesos roda-curta. O outro cachorro, mais abonecado, afeito a marchas e paradas, alvitrou se não seria caso para se organizar uma vigília defronte do município. Um ruído de escape furtou-me a resposta.

Tenho a reconhecer que, assim, no primeiro choque, achei normal que se introduzissem espaços sanitários para o melhor amigo do homem, mesmo que a cidade pudesse fervilhar de latrinas caninas em ano eleitoral. Não tivesse o mal-encarado aberto goelas de novo, e eu teria ficado por aqui, cruzado o largo e empontado pela rua dos marchantes. Mas eis que ele pergunta ao outro, se não saberia quem era o jeitoso de toalhinha à cinta e dedinho alçado que lá tinham posto, se não seria por’i o mecenas que tivesse deixado uns dinheiritos para a obra.

Ora eu, qual cego por cão guiado, levantando o olhar, enfrentando com denodo as máximas inclemências do astro-rei, não é que deparo com a augusta figura do Octaviano, em versão de ateliê de obreiro de gigantones e cabeçudos? Confesso que fiquei varado. - Xô daqui, vadiolas! Então não vedes que é o pai adoptivo e patrono da cidade, o grandioso imperador romano que nos fez participantes de todos os primores da civilização?

Sorte minha que estavam inteirados de que havia humanos que entendiam e falavam caninorum ou, com a vantagem do número, ter-se-iam aferrado às canetas de quem tão inesperadamente os invectivava. - O grande Augusto? O tal da Bracara Augusta? - inquiriu o mais culto dos dois. - Esse mesmo, qual outro? - reforcei. - Nã! Nu’me cheira. Iam lá pôr uma estátua que mais parece um boneco de plasticina do meu menino Nelinho… Cá para mim, com o ar acarnavalado do raparigoto, boto que seja o agente artístico da Lassie, ou o instrutor de voo do Laica, que faz todo o sentido que tenhamos humanos ligados ao universo canino nos perímetros em que nos recolhemos connosco próprios e nos aliviamos.

Deram-me o flanco, e seguiram pela frei caetano brandão abaixo. Na esquininha da biblioteca ainda me atiraram que iam dar uma vista de olhos ao frade do migaitas e ao pretinho do café quem vai para a praça velha, para compararem o primor artístico.

Tenho a dizer que fiquei arrasado: cão com palpites sobre arte urbana! Fiquei com ideia que, fosse o cãozinho aluluzado a encomendar a obra, e teria requerido cinzel e mármore de vila viçosa, e mão herdeira de Miguel Ângelo. Assim como assim, não é todos os dias que nos calha honrar os fundadores e, dando a mão à palmatória, mais valera tê-lo feito, indo ao encontro do bom gosto de cachorro de língua desatada.
No desfecho, inscrevi-me numa pós-licenciatura: sabe-se lá que mais poderei aprender, de imprevisto, ou não fosse verdade que de fora se aprecia melhor - de fora, de humanos, viciosos círculos.

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