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Onde começa a humanização dos cuidados de saúde?

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Onde começa a humanização dos cuidados de saúde?

Voz à Saúde

2024-06-01 às 06h00

Humberto Domingues Humberto Domingues

Todos estamos focados, e com espectativas, sobre a estratégia e planeamento que o novo Governo vai adoptar e pôr em prática para o Verão (Plano de Verão) com os contributos da “Task Force” nomeada pela Srª. Ministra da Saúde Ana Paula Martins, uma vez que a Direcção Executiva demissionária não tinha elaborado ou recusou-se a ceder à nova Equipa Ministerial, tal plano. E de seguida vem o “Plano de Inverno”, que é também preciso elaborá-lo. As perguntas que se colocam é: como vai ser a gestão das urgências, e das diferentes Especialidades Médicas? Qual o papel dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) nesta “contingência”? Sem dúvida um trabalho megalómano, que exige capacidade de gestão, decisão e efeitos práticos junto dos necessitados, que são os Utentes/Cidadãos doentes. De uma coisa temos a certeza e Já constatamos que a actual Ministra tem iniciativa política e poder de decisão.
Noutro espectro, como estão a decorrer as negociações, que valorização e reconhecimentos vão acontecer, com os Enfermeiros, Médicos e Farmacêuticos? Estas negociações diminuirão o impacto das dificuldades do Verão? A valorização de carreira e monetária destes Profissionais trará noutras medidas, mais humanização aos serviços de saúde? A falta de meios e a predisposição dos Profissionais pode potencializar a desumanização?
Regateia-se o cumprimento das “dotações seguras” nos serviços, para que os cuidados sejam prestados com segurança, eficiência, respeitando preceitos éticos e deontológicos, que nunca podem estar em causa. E assim lembrar o que vem sendo dito e afirmado longamente pela Ordem dos Enfermeiros e agora admitido pelo Ministério da Saúde, a falta de 14.000 Enfermeiros, em Portugal. Esta carência de Enfermeiros pode ter implicação na qualidade e humanização dos cuidados a prestar e do necessário tempo e atenção de escuta das necessidades dos doentes? Sabemos que, quando há falta de Enfermeiros nos serviços, o cansaço aumenta, os índices de burnout sobem, o risco de erro aumenta e os acidentes “fazem-se parceiros efectivos e permanentes” na prestação dos cuidados de Saúde e de Enfermagem. Associada a esta realidade, o aumento das infecções hospitalares. A falta de recursos humanos, não é também uma desumanização dos Cuidados de Saúde que deveriam ser prestados e não são?
Essencialmente na doença, todos queremos ser tratados com dignidade e, a humanização ainda é mais premente e necessária. O doente está fragilizado, precisa de cuidados e atenção, particularmente nas crianças e nos idosos. Quem acompanha estes doentes aos Serviços de Saúde, especialmente nas Urgências, está também em sofrimento, em stress e angustiado pela doença que vê e afecta o seu ente querido e no medo de perda, que pode acontecer, pela idade avançada, pela gravidade da infecção/doença ou pelo estado geral de desnutrição e fragilidades/comorbilidades que apresenta. O medo de morrer está presente na consciência do doente e de acompanhante/familiar. Tantas vezes se coloca a pergunta, a si mesmo e em silêncio, será que saio daqui vivo? Terá chegado a minha hora? Ou será que o meu Familiar vai resistir e ainda vai viver mais uns tempos?
Em algum momento, todos nós já vivemos situações idênticas e já nos questionamos muitas vezes sobre a existência, necessidade e dimensão da “humanização dos cuidados de saúde”, naquele agressivo instante de crise, de doença, de perguntas sem resposta... onde a “boa comunicação” deve estar presente, mas falha!
Dizer que esta humanização não é, nem deve ser só prestada pelos Enfermeiros e Médicos a quem os Utentes/Cidadãos recorrem. Falamos em Enfermeiros e Médicos, porque são os “mais visíveis” nesta cadeia imensa de prestação de cuidados de saúde, por tantos importantes “actores” desta cadeia de “obreiros” e excelentes profissionais.
Uma das realidades e que na maior parte das instituições de saúde é negligenciada, é a formação e características dos porteiros/seguranças que são o primeiro rosto da instituição. E na actualidade, são até profissionais de empresas de segurança, ao que parece, sem formação específica em relações humanas, para estar numa portaria de um serviço de urgência, nem numa portaria principal de um hospital ou centro de saúde. Com frequência, porque são seguranças e não relações públicas, são rudes quando abordados ou nas informações que prestam e utilizam a voz de “forma musculada”, dirigida ao Utente/Cidadão fragilizado, stressado e indefeso que se dirige, pedindo o seu apoio. Acontece até, com um pedido para deixar entrar para saber/ver o familiar do qual não tem nenhuma informação sobre o evoluir da situação. A resposta sai imediata, dura e autoritária “não pode”! São exemplos reais para ilustrar que a humanização dos cuidados, também deveria acontecer/tem de acontecer aqui, neste “primeiro rosto” da Instituição de Saúde. É aqui que deve começar a humanização. Há muitos bons exemplos e esses devem ser excluídos da generalização que muitas vezes se faz. Contudo, a humanização nos serviços não pode ser “atropelada” por regras “rígidas e frias”, destes “agentes fardados”, que exercem a “sua autoridade”. Há falta de formação, de capacidade de diálogo, de diplomacia e delicadeza nesta relação humana, muitas vezes evidente e exacerbada, em locais sensíveis, como urgências ou morgues. À falta de diplomacia e controle necessário surgem potenciais discussões acaloradas decorrentes dos estados de stress e angústia.
A comunicação é uma ferramenta chave no contacto com o público. Deve ser cuidada e facilitada. E muitas vezes surgem dificuldades, por quem está atrás de um telefone, que é outro dos “rostos importantíssimos das Instituições”, isto quando o telefone geral ou da central de atendimento, é atendido. Porque a moda dos serviços públicos, parece ser a existência de contacto telefónico que ninguém atende!
Sabemos e sentimos algo de diferente quando nos dirigimos a um hospital ou clínica privada. Aqui tudo é mais suave e diferenciado. Infelizmente é a realidade! Mas não é por esta realidade ser tão evidente nos privados, que não a devamos exigir e tê-la, também, nos serviços públicos. Antes pelo contrário, devemos alertar, pugnar e contribuir para que também aconteça nos serviços públicos.
Hoje, neste mundo desgastante e em velocidade acelerada, que consome as pessoas e as torna mais intolerantes, incapazes de diálogo e menos permissivas, a “humanização”, é cada vez mais necessária e premente a sua “boa utilização”, para bem de todos. Mesmo TODOS, os que se encontram quer do lado dos serviços, quer de quem recorre aos mesmos.
Serão as Administrações, os Profissionais das diferentes classes e os utilizadores/Utentes/Cidadãos dos serviços públicos, capazes de colocar a “humanização” nas relações, nos contactos, nas presenças e nas prestações de cuidados, sejam eles de saúde, sejam de outra índole, como jóia de alto quilate e valor, na vivência das dificuldades diárias que a vida nos coloca, dá e experimenta-nos quotidianamente?

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