Nevoeiro soprado, verão sem mergulho adiado
Ideias
2016-05-01 às 06h00
Precisamos das palavras para viver. Elas são uma das essências do nosso pensamento, que faz de nós os seres humanos que somos. As palavras que usamos, e o modo como as usamos, dizem muito de quem nós somos.
Sabemos que é no cérebro que as palavras ganham os seus significados, é no cérebro que estão “guardadas” as memórias que a elas estão associadas. Mas onde moram as palavras no cérebro? Haverá algum local próprio para cada uma das milhares de palavras que usamos? E palavras de línguas diferentes terão “moradas” distintas no cérebro?
Para melhor compreender como é que o cérebro processa palavras ouvidas, investigadores neurocientistas da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos da América, usaram técnicas de imagiologia por ressonância magnética funcional (fMRI) para visualizar e mapear as regiões do cérebro de sete voluntários enquanto este ouviam, de olhos fechados, segmentos de mais de duas horas de uma história retirada do programa de rádio The Moth Radio Hour. Os cientistas seleccionaram, neste estudo, um conjunto de 985 palavras, constituído maioritariamente por substantivos e verbos.
A imagiologia por ressonância magnética funcional mede as variações do fluxo sanguíneo (a que correspondem variações no consumo de oxigénio por parte das células neuronais) nas diferentes regiões do cérebro, o que é associado à activação neuronal dessas zonas.
Com os milhares de dados obtidos foi gerado um atlas semântico que pode ser consultado neste site: http://gallantlab.org/huth2016. Nele é possível identificar localizações específicas de diversas famílias de palavras em diferentes regiões cerebrais. Parece haver “moradas” para as palavras! E os investigadores verificaram que essas localizações eram surpreendentemente semelhantes em todos os sete indivíduos que participaram no estudo!
Usando os mapas obtidos, os investigadores desenvolveram um algoritmo matemático que lhes permitiu prever qual a resposta neural dos participantes no estudo, aquando da audição de outras histórias nunca antes ouvidas! Ou seja, a “morada” cerebral de cada uma das 985 palavras estudadas parece ser independente da história em que estão contextualizadas.
Ao contrário do que se esperava tendo em conta anteriores dados e estudos clínicos de doentes com danos cerebrais, este estudo revelou que tanto o hemisfério esquerdo, como o hemisfério direito do cérebro, estão envolvidos na actividade de atribuir significado às palavras. Até agora, os cientistas associavam o processamento da linguagem ao hemisfério esquerdo, num processo chamado de lateralização. Mas por outro lado, o que os cientistas observaram nestas experiências foi a audição e não a produção de linguagem. Assim, estas duas actividades poderão possuir arquitecturas funcionais distintas no cérebro. Quando se está a avaliar a compreensão das palavras no cérebro, os resultados apontam para que os dois hemisférios trabalhem em conjunto.
Todo este estudo foi publicado na revista Nature da passada quinta-feira (http://www.nature.com/nature/journal/v532/n7600/full/nature17637.html) e é um ponto de partida, mais que um de chegada. Abrem-se com ele novas perspectivas de investigação e surgem novas questões ainda sem resposta, como é próprio da ciência.
Por exemplo, os autores deste estudo consideram importante ampliar o número de indivíduos a estudar e verificar se o atlas semântico agora obtido pode ser aplicado a pessoas de outras línguas e de outras culturas.
Quanto a aplicações, e pondo de lado a fácil especulação de desenvolver uma técnica para “ler” o pensamento, a equipa de cientistas antecipam futuras aplicações médicas: “Um descodificador de linguagem pode ter um valor incalculável para indivíduos com problemas de comunicação como na esclerose lateral amiotrófica e na síndrome do encarceramento” diz Jack Gallant, o líder da equipa deste estudo.
Este é mais um passo experimental da moderna neurociência que nos diz também, com humildade, o quanto ainda não sabemos sobre o funcionamento do nosso cérebro.
11 Julho 2025
11 Julho 2025
Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.
Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.
Continuará a ver as manchetes com maior destaque.
Faça login para uma melhor experiência no site Correio do Minho. O Correio do Minho tem mais a oferecer quando efectuar o login da sua conta.
Se ainda não é um utilizador do Correio do Minho:
RegistoRegiste-se gratuitamente no "Correio Do Minho online" para poder desfrutar de todas as potencialidades do site!
Se já é um utilizador do Correio do Minho:
LoginSe esqueceu da palavra-passe de acesso, introduza o endereço de e-mail que escolheu no registo e clique em "Recuperar".
Receberá uma mensagem de e-mail com as instruções para criar uma nova palavra-passe. Poderá alterá-la posteriormente na sua área de utilizador.
Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos.
Deixa o teu comentário