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Os currais na serra do Gerês

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

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Conta o Leitor

2015-07-19 às 06h00

Escritor Escritor

Pontes Oliveira

Espalhados pela bela e imponente serra do Gerês existem dezenas de antigos currais onde todos os anos, desde tempos imemoriais, no período de meados de maio a meados de setembro, era, e ainda é, embora em muito menor escala, apascentado e recolhido o gado bovino das vezeiras das freguesias de Vilar da Veiga, Rio Caldo e Vilarinho da Furna, do concelho de Terras de Bouro.

Testemunho vivo da história de um povo serrano que viveu no mais puro regime comunitário - Vilarinho da Furna foi o melhor exemplo —, que vivia essencialmente de uma agricultura indigente na produção mas de uma exigência brutal, desumana, no esforço a despender para trabalhar a terra, da pastorícia dos seus rebanhos de gado bovino e caprino pelos confins da serra agreste e ainda do contrabando, numa constante, perigosa e extenuante invasão da fronteira com a Espanha, esses currais são um património que urge preservar. Não obstante serem todos bonitos, autênticos oásis no meio da paisagem agreste onde os maciços graníticos atingem dimensão descomunal, entre todos eles há um que se destaca pela sua extraordinária beleza: o curral do Conho.

Localizado a cerca de 1 250 metros de altitude, a paisagem à sua volta é simultaneamente deslumbrante e dantesca. Deslumbrante pela beleza, dantesca pelo gigantismo dos colossos graníticos que o rodeiam. Para chegar ao curral do Conho é necessário caminhar durante cerca de hora e meia através de um trilho ingreme para vencer um desnível de 500 metros. Se o leitor quiser aventurar-se por este trilho — aconselho a companhia de um guia — deve começar por ir até à vila do Gerês. Depois, de viatura, segue na direção da fronteira da Portela do Homem.

Ao chegar à Portela de Leonte, 7 quilómetros de estrada sempre a subir, ali, à sua direita, começa o trilho. Iniciada a caminhada, ao fim de cerca de 45 minutos chega ao curral do Vidoal, onde pode e deve descansar um pouco. Retomada a subida, 15 minutos depois chega à Presa. Aqui pode fazer nova pausa e apreciar o bonito e extenso vale do rio do Arado. Novamente em marcha, 20 minutos depois chega à Chã da Fonte ou Alto das Ruivas de onde pode contemplar uma bela e idílica paisagem. Do lado sul, altivo, com mais de 1 400 metros de altitude, o pico do Borrageiro convida-o a sair do trilho principal para lá ir. Só lá vai quem quiser e tiver forças.

O nosso objetivo é outro: o curral do Conho. Recuperado o folego e o ânimo, a caminhada é retomada e 10 minutos depois, atinge-se o planalto. Ah, já me esquecia de dizer que logo que chegue ao planalto, do lado direito de quem sobe o trilho, existe uma fonte com a melhor água que possa imaginar. Atingido o planalto, sempre no trilho atravessa a Chã da Gralheira na direção do curral da Lomba de Pau. Uma vez aqui, tem à sua disposição uma nova fonte com água da mesma qualidade da anterior.

Do curral da Lomba de Pau ao curral do Conho, apenas um instante, 15 minutos no máximo pelo trilho que pela primeira vez desce.
Ufa, ufa, o caminhante chega, finalmente, ao curral do Conho.
A paisagem que surge pela sua frente desperta-lhe a mente para momentos da mais profunda contemplação. Diante de tão imponente e majestoso quadro, sente-se diminuído, pequenino, insignificante. Subitamente é invadido por uma suave mas avassaladora onda de felicidade capaz de amainar o coração mais empedernido. E o caminhante, sem exceção, entra em profunda meditação.

“Oh, como me sinto feliz! Sou um privilegiado por ter acesso a um lugar como este… por poder contemplá-lo. O meu maior privilégio é apreciar esta grandiosa, deslumbrante paisagem, experimentar uma aprazível e reconfortante sensação de aproximação a algo místico que não consigo definir. Algo que aprisiona os meus sentimentos mas que, simultaneamente, por momentos, liberta o meu espírito das profundas inquietudes em que vive o ser humano.
Aqui neste sítio como em nenhum outro, seja ele o interior de um templo onde a existência de uma divindade é, em princípio, mais e melhor compreendida pelos crentes, sem livros sagrados ou outros, sem profetas, sem padres e sem sermões, apenas pelo quadro natural que se estende à frente dos meus olhos, sinto a presença de um Ser supremo que pode muito bem ser o Deus da criação. Aqui neste micro mas encantador lugar do planeta, afastado das novas e grandes cidades e vilas, autênticas florestas impessoais de betão; do frenesim e egoísmo dos homens, verdadeiros escravos do dinheiro e do tempo; aqui onde a Mãe Natureza mantém intactas as suas características naturais; aqui onde se pode apreciar em plenitude o nascer e o pôr-do-sol; aqui onde as horas, os minutos e os segundos apenas contam para o natural devir e porvir das coisas, faz despertar em mim um sentimento de incomensurável dimensão espiritual.

E por momentos, confuso na minha douta ignorância, vacilo na escolha entre a teoria racional da ‘Origem das Espécies’ de Charles Darwin, o pensamento surrealista de Apollinaire e seus seguidores, as crenças dos deuses mitológicos da antiguidade, o Inferno, o Purgatório e o Paraíso apresentados por Dante na sua magnifica obra ‘A Divina Comédia’ e a diversidade de correntes e doutrinas religiosas escritas pela mão dos homens, plasmadas em sofisticadas publicações, das quais destaco a corrente dos criacionistas que têm uma noção imobilista da natureza e da vida e conservam, “in initio”, os traços originais da criação.

Por mim, perdoem a ligeireza da minha opinião, na presença de um Universo tão complexo, onde o ser humano caminha até à morte perdido num imenso e labiríntico mar de perplexidades e angústias, tudo fruto da promessa de poder alcançar a eternidade das divindades, aceito de boa-fé todas as teorias sobre a origem e o sentido da vida, por mais inverosímeis que elas sejam. Na impossibilidade de alcançar a verdade, juro a minha fidelidade a todas elas. Mas dito isto, não retiro a importância dos princípios metafísicos do ser e do conhecer da Humanidade e das leis da Natureza. Por isso confesso, aqui e agora, neste lugar maravilhoso, o meu reconhecimento ao Criador pela Sua obra em geral e por esta pincelada em particular, e prometo que me irei esforçar por compreender, e quem sabe desculpar, os mais vis e atrozes atos dos filhos que criou à sua imagem e semelhança.
Volto pois ao meu êxtase.

A comoção regressa ao meu ser. Comovo-me de felicidade. Oh, como é reconfortante olhar esta paisagem…como é sublime o sentimento que me invade. Nem a extrema dureza da caminhada faz diminuir a meiga e suave sensação que me submerge. Feliz, repouso o meu olhar na grandiosidade das abruptas penedias. Na memória vou guardar, com doce enlevo, estes momentos da mais pura exaltação espiritual…
Aqui neste lugar, adormeceria feliz… eternamente.”

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