Entre a vergonha e o medo
Ideias
2017-03-14 às 06h00
Quais e quem são os nossos espelhos? Assistimos, nos últimos tempos, a versões espelhadas da sociedade nas redes sociais. Estaremos nós, afinal, gente que se diz vanguardista e moderna, preparados para as diferenças? Estaremos nós preparados para aceitar aqueles que não encaixam nos parâmetros considerados como normais? E, no final das contas, o que é isto de ser normal?
Poderia ser este mais um texto sobre o Festival da Canção e sobre os manos Sobral. Poderia ser…
Mas realmente não é. É sobre as diferenças que ainda teimamos em não aceitar, em colocar de lado, em não estimular. A criatividade, essa madrasta das rotinas e padrões comuns, volta e meia estraga tudo. Teima em aparecer e, aqui d’El Rei!, faz sucesso. Que coisa esta, a da criatividade. E estranha, pois remete-nos para uns limites que teimamos em não querer conhecer.
Esses limites e fronteiras que nos fazem tão bem, que nos sugerem a diferença, que nos lembram que estamos vivos, que nos inspiram a sermos melhores. Que nos impelem, que nos levam a avançar. Esse mano Sobral, que teimou em aparecer com jeitos e trejeitos de interpretação (brilhantes, aliás…), que teima em divulgar grupos musicais como os Noko Woi, desiguais em quase tudo e em quase nada, e que se mantém fiel a um Chet Baker (com isto, Salvador, ganhaste-me o coração, Chet é Chet e não há nada a fazer, apenas ouvir e fazer uma vénia...), mostra-nos que ainda há muito caminho a fazer naquilo que é aceitar a diferença nas nossas comunidades.
Trabalhando no âmbito da saúde mental e da psiquiatria, sei bem o que é isto da não-aceitação das diferenças e da riqueza que elas trazem para o desenvolvimento humano. Pois, meus caros, ser diferente não é ser errado. Ser diferente é apenas seguir caminhos dissemelhantes dos habituais, distintos daqueles que a maioria segue. Dá mais trabalho, é certo. Porém, é uma sensação constante de desafio - de normas, de regras, de estatutos.
Existe ainda muito trabalho a realizar na sociedade em relação ao ser diferente. O estigma associado à doença mental remete-nos para épocas passadas, mas ainda muito presente no nosso dia-a-dia. Passamos de, no final do século XIX, pagar bilhete domingueiro para ver os alienados que se encontravam embrenhados nas suas celas para, de repente, na comunidade serem incluídas pessoas com doença mental e serem aceites. Todavia, será que são mesmo aceites? Será que este estigma vai diminuindo? Será que a diferença é bem aceite? Estão são questões às quais ainda não tenho resposta - nem sei se as irei ter, nesta época onde me encontro. Verifico que a diferença é olhada com desconfiança e suspeita, embora a história já nos tenha ensinado, vezes sem conta, que a diferença traz igualmente novidade, frescura, inovação.
O medo. O medo pela diferença. O receio de algo novo, de algo que nos venha abalar nas nossas convicções, nas nossas crenças, nas nossas vidas cómodas e acostumadas. O medo de não nos conseguirmos adaptar, de fazermos figuras ridículas, de pensarmos no que os outros vão pensar. O medo das hierarquias, das punições, o medo por contestar. Tudo isto nos faz congelar, solidificar no tempo e, muitas vezes, também não vivermos. Ao não aceitarmos as nossas próprias diferenças igualmente não nos aceitamos a nós, como somos. E adoecemos. Adoecemos por medo de não aceitarmos as regras e as rotinas, o que está estabelecido. Adoecemos por medo de avançar.
As respostas nas redes sociais e nos media à canção dos manos Sobral é típica deste medo. É um espelho do que ainda nos rege e determina. Mas ambos estão de parabéns, ambos merecem uma medalha (lá daquelas que se dão por Lisboa) por serem arrojados e fazerem a diferença na simplicidade e na autenticidade. Luisinha, voltaste a conquistar-me, a mim, que tinha cortado relações contigo desde que te ouvi a chamar pelo Xico - não deu Luisinha, o Xico não deu mesmo…
Obrigada, a vós, pela diferença e obrigada por nos puxarem, a nós, mais uma vez, para a frente.
13 Junho 2025
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