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Os masoquinas

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Os masoquinas

Ideias

2018-06-29 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

O adepto português não aplaude: sofre! O indefectível do conjunto nacional, por norma, nem chega a experimentar as euforias de uma boa pedrada – ressaca de imediato. A selecção, como produto, bate mal, vem traçada, cheia de farinha triga ou loureiro: dá um formigueiro, um «ai que fixe!», logo seguido de calafrios, tremores, apertos de peito e dores de cabeça.
A selecção nacional, assim, mais em termos tradicionais, em léxico de tasca, é zurrapa de uma só uva, ou de duas uvitas, encavalitadas por engano em bagas de sabugueiro, diluídas em proporção homeopática em águas de veio inquinado com coliformes fecais. Bebemo-la por patriotismo, forçando cara, arrancando um estalo de língua, a ferros, como se a coreografia transformasse sarro entranhado de pipo carcomido em toques joviais a baunilha, em perfumes de carvalho tratado francês.
O português genuíno é um trampolineiro compulsivo, lê Fátima Lopes em trapinho de feira Fátima Torpes, Luís Buchinho em blusas de seda natural Luís Bruxinho, e é menino para afirmar, de seguida, que é igual, igualzinho, ou ainda melhor. O português genuíno é um sofredor requintado, e é no altar-masmorra da selecção que se oferece ao maior dos suplícios expiatórios. O português genuíno leva a selecção à boca, alucinando uma tabarilha «Barca Velha» ou «Château Margaux – Grand Cru». Infelizmente, o mau-gosto suplanta qualquer inflação de méritos por miragem colectiva.
Embora saibamos, provadamente, por «a» mais «b», que os nossos conjuntos são medianos, não se desenha campanha em que o adepto anónimo não acalente o sonho da glória maior. Anónimo, e não só, que as excelências de Belém e de S. Bento costumam afinar pela mesma bitola.
Malogradamente, o entusiamo popular não chega. Jogo após jogo, como não há por onde enganar, os nossos mostram o que vão tendo, que pouco se fez contra a Espanha, que pouco se fez contra Marrocos, e contra o Irão. Bem sei que nos apuramos, mas as exibições foram deploráveis. O que acabo de aludir costuma ser classificado de ressabiamento, de má língua, quando não de alta-traição. O verdadeiro português enfrenta as agruras com um kit de autoprotecção, como repelente anti mosquitos, e assim entramos com a juventude e a renovação geracional, com a rispidez alheia em campo, com os truques de arbitragem. No limite, com o azar. Batotas que não explicam a razão pela qual a condução de jogo é comummente dos outros.
Fugimos da nossa pequenez como diabo da cruz. Imaginamo-nos cobertos de ronaldos, como em tempos nos imaginamos em cama de figos, de eusébios, antes de todos. Heroizamos temporariamente um, para que, por assimilação não confessada, nos presumamos da sua igualha, para que terceiros, de fora, nos tomem por locatários de Olimpo intangível. O português genuíno precisa do Céu, porque a Terra de pouco lhe serve.
É por estes quinhentos que os onze escalados entram em campo com a cabeça num molho de brócolos, com a concentração num fanico, ou, como diria o engenheiro Santos, “a pensar no embate seguinte”. A citação não é textual, mas não atropela o sentido.
E eu acredito-o. E, por acreditar, ainda mais o desqualifico – a ele, e a todos que voluntariamente contribuem para este terrorismo psicológico, que, aliás, vem ao arrepio de tudo quanto se propaga no dia-a-dia. Um campeonato, um torneio, é feito de bons momentos, de Coreias que defraudam Alemanhas, de acertos e inspirações de quem tem a cabeça no sítio e a totalidade dos músculos à disposição do presente imediato. Reservar algo para “amanhã” só contribui para roubar ingredientes à receita que “hoje” levamos a lume. Parte a selecção, e acompanhamo-la à estação, ou ao Cais da Rocha do Conde de Óbidos, como pais de então se despediam de filhos chorados a caminho do Ultramar. Magoa, e distrai.
Pior, ainda, é o cortejo de “especiais” non-stop em tudo quanto é estação televisiva, a hipertrofia de relevo, como se a selecção fosse pico irmão do Evereste, como se tudo o resto fosse efectivamente desprovido de sentido. A bola é uma religião, e os jogadores temem a excomunhão ou a apostasia. Como é que alguém consegue transmitir a imagem certa de que um jogo é apenas um jogo, se todo um país se pendura num lance?
Deveríamos cingir-nos à glorificação do sucesso, e não a encomendas do caneco, como quem faz compras em loja on-line com garantia. Sofre, o adepto português, porque o triunfo só toca a um, ao primeiro, e o lusito sabe que apenas por excepção irromperá no pódio, de modo que melhor leva na conta das euforias os aquecimentos do pré-enlace. Conta, o português, com o ovo encascado antes dos cacarejos exultantes da galinha. Bem se faz tempo de que se compreenda que o orgasmo por antecipação não é a coisa boa. Sortinha, para sábado, a seco.

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