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Os nomes que me chamaram

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Os nomes que me chamaram

Escreve quem sabe

2025-06-15 às 06h00

Joana Silva Joana Silva

O percurso natural do desenvolvimento social, emocional e psicológico passa pela conexão a pessoas. Pessoas com as quais nos relacionamos nos mais variados contextos da vida desde o convívio social, laboral e familiar. Em especial o trabalho, que, quer se queira quer não, é onde se passa grande parte do tempo.
Conecta-se com pessoas que entende como significativas e outras que não. Entenda-se por significativa aquela pessoa especial cujas opiniões se valida, e cujos comentários tocam, nomeadamente quando primam pelo cuidado, conforto e apoio. Aquelas tidas com as que se importam connosco. Por outro lado, existem também as pessoas não significativas, aquelas que as conhecemos pontualmente (ex. o desconhecido/a que todos os dias o/a encontramos a comprar o pão na padaria da rua), ou que estiveram presentes por um período longo de tempo, como por exemplo, um grande amigo, um vizinho, um chefe, mas que, com o tempo, deixaram de fazer parte do vínculo emocional, talvez pela referencia percebida, ou sentida, que já não eram especiais.
Cada pessoa, é sim, o resultado das marcas, positivas e negativas, deixadas e recebidas nos caminhos e nas “encruzilhadas” da vida daqueles que permanecem e passam por nós. Todavia, essas mesmas marcas, nem sempre dizem de nós.
Hoje em dia, a tristeza é vista como algo mau. Há uma ideia pré-concebida de que se tem de andar sempre bem, sempre felizes, mesmo que por dentro o coração “esteja partido”, ou “destroçado”. Ninguém deprime por acaso. Não é um acontecimento isolado que “destrói” por dentro. É o acumular de várias situações em que a vida pede “vive”, mas que apenas se “sobrevive” a experiências que surgiram numa altura em que não se tinha idade, ou maturidade emocional, para lidar com críticas destrutivas, olhares duros ou silêncios que magoam.
A infância e a adolescência, ao contrário do que muitos pensam, não são fases de inconsciência. Uma criança percebe. E um adolescente ainda mais. Talvez a forma como interpretam os factos seja diferente. Talvez, muitas vezes, mal interpretada. Mas sentem, e “absorvem” emocionalmente tudo.
Uma criança interior ferida tende a tornar-se, no futuro, um adulto inseguro, frágil, que nem sempre toma as melhores decisões, nem interpreta corretamente as atitudes, boas ou más, das pessoas à sua volta. Porque ainda dói e porque vem da infância.
Há palavras que nunca se esquecem: “És burro/a.”, “Não vais ser nada na vida.”, “Ninguém te aguenta”, “És um fingido/a”, “És insuportável.”, “És um/a doente, perturbado/a”, “Ninguém quer estar ao pé de ti”, “Ninguém gosta de ti.”, entre outras expressões.
Como se pode chamar “burro/a” a uma criança ou jovem que ainda está a aprender? Como se diz a um adolescente que não vai ser ninguém, quando mal começou o seu percurso? Como dizer a um/a adolescente que ainda está a autorregula-se emocionalmente e que por vezes se exprime nos comportamentos difíceis, tendo em conta que, nesta fase, existem alterações hormonais, sociais e ambientais que influenciam o seu comportamento e que o grupo de pares ganha mais importância e validação do que os próprios pais? Palavras e rótulos como estes, ditos por adultos que deveriam cuidar, apoiar, proteger, tornam-se feridas. Feridas que, mais tarde, surgem encobertas de medo, vergonha, insegurança. E que levam muitos a dizer, tristemente, como se fosse uma verdade absoluta: “Eu sou… porque já me diziam quando era pequenino/a…” Mas ninguém “é assim”. Poderá ser-se assim, naquele momento específico, ou quando se está perante algo que não se gosta, ou uma tarefa que dá preguiça. Todavia, isso não deve ser generalizado como se essa criança ou adolescente fosse agir da mesma forma em todas as tarefas futuras.
É como uma fotografia que apenas capta um momento isolado e nunca a essência ou uma personalidade de alguém para lhe atribuir características que não lhe pertencem.
É -se muitas vezes, o reflexo do que se acredita ser com base no que fizeram acreditar.
É preciso olhar com “olhos de ver” para si próprio/a com carinho, questionar as verdades que foram “impostas” e redefinir ou reavaliar os nomes que chamaram, no sentido: “Será que eu sou de verdade assim?!”. Porque também se pode recontextualizar a novos nomes: esperto/a, corajoso/a, capaz, sensível, maravilhoso/a, perante a experiencia de vida que vivenciou e que ultrapassou. Não é fácil, é possível e é um processo. A ferida pode advir da infância, mas a cura começa quando, se escolhe um outro caminho de verdade, o do próprio autocuidado. Não “vista” palavras que possivelmente diziam mais das pessoas que lhe chamaram nomes do que de si.

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