IFLA Trend Report 2024
Ideias
2024-09-07 às 06h00
Aproveitei o período estival para rever algumas séries e filmes sobre a Segunda Grande Guerra. Revi o contexto, as narrativas, os interesses geopolíticos e o “ambiente” (pensamento político então dominante), para além das operações, da barbárie, da desumanidade e da loucura coletiva que então emergiram. Deveria, em rigor, começar esta enunciação por aqui, pela loucura quer coletiva, quer individual que marcou aquele período Histórico, sobretudo no centro da Europa. Tínhamos uma Itália de Mussolini, viviam-se os restos da República de Weimar, com toda a confusão, insegurança e antagonismo entre a realidade vivida pelas pessoas e o mau funcionamento institucional dos poderes de Estado. A Alemanha, com efeito, viveu crises inflacionistas e sociais devastadoras. E um grave problema de orgulho e de identidade nacionais. A França e a Inglaterra enfrentavam um tempo “pós-Versalhes” e “pós-Primeira Grande Guerra” (1914-18), de alguma prosperidade e modernidade, porém, com cosmovisões ainda muito oitocentistas. Verificaram-se as vicissitudes políticas, económicas e culturais para o aparecimento de Hitler. De um Hitler qualquer? Talvez. Porém, os traços de loucura inumana, de confusão mental tornada política nacional, de sonhos megalómanos transformados em ilusório e patológico desígnio messiânico de um Estado/nação, talvez tivessem de ter mesmo o cunho e a vontade pessoal de um louco vingativo como foi Hitler. De resto, o que é intrigante, para além do facto de um louco e alguns loucos obsessivos e submissos terem chegado ao poder, é o facto de milhões de pessoas, quer na Alemanha, quer na Áustria, terem inicialmente aderido a um conjunto de narrativas e confusões, mitos e ilusões desequilibradas e inumanas. Houve também uma responsabilidade coletiva incontornável, bem assim como a utilização de técnicas de persuasão populistas.
Mas o que gostaria, agora, de salientar, é uma estranha sensação que foi resultando deste meu revisitar da História (negra) da Europa: as guerras de Estados, entre Estados e, à velha maneira clássica, de pendor expansionista/imperialista, seguem padrões de ação e de reação que aparentemente se repetem. Naturalmente, com as devidas adaptações e atualizações às circunstâncias dos tempos concretos. Pensando no caso da guerra na Ucrânia, a narrativa justificativa inicial, de fevereiro de 2022, divulgada pelo Kremlin, acabou por seguir traços análogos aqueles que 83 anos antes tinham sido igualmente apresentados por Hitler, a propósito da invasão do Sudeto (parte do território da atual Chéquia). Antes de se assumir um intuito expansionista, colocando em causa a estabilidade das fronteiras assentes e reconhecidas pela Comunidade Internacional, os regimes totalitários recorrentemente invocam razões de defesa dos seus cidadãos, mesmo apenas cidadãos “aparentados” ou mesmo inexistentes: para Hitler eram as populações germanófilas do Sudeto, alegadamente oprimidas; para Putin, foi a proteção e o resgate dos russófonos da Ucrânia (Donbass), também eles, segundo a narrativa russa, oprimidos e culturalmente violentados. Depois, comentadores afetos a Putin (sejam russos, sejam mesmo ocidentais e até portugueses), sugeriram algumas justificações que se assemelhavam à velha teoria do “espaço vital”, usada por Hitler e segundo a qual as grandes potências necessitariam sempre (desse “espaço vital”). A própria expansão da NATO, até às vizinhanças das fronteiras da Federação russa, acabaria por pôr em risco – segundo a narrativa do Kremlin e aqueles que a seguem - tal área geográfica de influência da Rússia (“espaço vital” de defesa). Mas houve uma ação de Hitler que me suscitou uma inevitável comparação com factos relativamente atuais, da guerra na Ucrânia. Hitler, em março de 1936, invadiu, com um exército de cerca de 30.000 homens, a zona do Reno (Renânia) que era uma zona desmilitarizada, nos termos do Tratado de Versalhes e dos compromissos assumidos pela Alemanha, na sequência da Primeira Grande Guerra. Foi um ato de provocação voluntário, para testar a reação das restantes potências, nomeadamente, da França. Hitler esperou pela reação do mundo “ocidental” que não existiu! Complacentemente, fez-se “vista grossa”, militar e politicamente, na esperança de que Hitler não fizesse mais nada, a ocidente. Como se sabe, fez e bastante; depois do Sudeto, da Polónia, os nazis só pararam, a ocidente, em França. Talvez tenha sido o primeiro passo na caminhada para a desejada (por Hitler) guerra (dir-se-ia, hoje, “guerra total”). Ora, talvez com algum excesso de pessimismo e eventualmente pouca propriedade, não pude deixar de comparar o caso da Renânia dos anos 30 do século passado com a invasão/anexação da Crimeia, em 2014. E notar que, tal como em 1936, agora (ou seja, em 2014) o dito “ocidente” também nada fez de operativo e impactante, relativamente à ação de Putin, na Crimeia.
Há realmente padrões de ação (também de narrativas justificativas) que, aparentemente, se vão repetindo. Neste caso, por parte de regimes totalitários, em contexto de guerras expansionistas. Os regimes (minimamente) democráticos e livres têm sempre, como já referia Kant, muita dificuldade em fazer a guerra. As indecisões, os equívocos e os receios das populações só não contam, realmente, em regimes totalitários e antidemocráticos. Mas esta aparente repetição de “padrões de guerra”, no caso atual (em rigor, no caso da Ucrânia e, por inerência, da Europa e da Integração), pode ser preocupante. Tão preocupante como porventura correr-se o risco de se repetir o mesmo tipo de erros Históricos!
11 Outubro 2024
11 Outubro 2024
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