Entre a vergonha e o medo
Ideias
2022-01-25 às 06h00
Não foi só nas rotinas diárias, nas máscaras e nos confinamentos que o vírus nos trouxe novidades. No voto, a arma dos soldados da democracia, também se sentem os afloramentos do COVID.
Recentemente discutiu-se a possibilidade ou impossibilidade de votar por parte daqueles que estivessem infetados com o madito bicho. Foi preciso pedir à Procuradoria-Geral da República um parecer para se concluir pelo mais que óbvio: não existe na lei portuguesa qualquer limitação ao direito de voto em virtude da condição de enfermo. Seja-se infetado pelo que for.
É verdade que esta certeza da lei nos pode parecer, por estes dias, como algo temerária, agora que é cada vez menos claro se não seremos afetados e infetados por estas e outras maleitas que potencialmente representem um risco para a sociedade.
E se não restam dúvidas que não há, na lei eleitoral, um limite para a participação dos cidadãos nas eleições, não é líquido que, perante um cataclismo de maiores proporções, esta cristalina verdade eleitoral não fosse afetada pela realidade. Tudo é, como bem sabem os juristas, uma questão de proporcionalidade.
O que mais espanta neste caso, porém, é que a pandemia está entre nós (e infelizmente) desde finais de 2019, como não nos deixa esquecer o 19 acoplado à COVID. Neste interregno, esteve na disponibilidade dos governantes e eleitos à Assembleia da República a discussão e decisão sobre o que fazer ou não fazer perante situações de extrema excecionalidade, como aquela que estamos a viver.
Durante dois anos passamos por três processos eleitorais (presidenciais, autárquicas e legislativas) sem que tenha sido possível debater soluções mitigadoras do risco e transformadoras do paradigma eleitoral, em tempos de excecionalidade.
Claro que todos desejamos que o vírus desparecesse e prontificamo-nos, por mais do que uma vez, a decretar as suas exéquias fúnebres. Contudo, o “otimismo irritante” com que alguns teimaram em olhar para esta crise sanitária, desguarneceu a resposta qualificada que porventura estaria nas mãos dos políticos oferecer.
Como já alguns constitucionalistas apontaram, a urgência de uma lei de emergência sanitária, onde a legalidade e não o arbítrio de ocasião ditasse o que fazer, como fazer e durante quanto tempo, seria imperiosa. Sem prejuízo de ser consabidamente impossível prever todas as hipóteses no texto das leis, é, todavia, possível, desejável e recomendável refletir e traduzir em diplomas qualificados matérias que reclamam essa intermediação do legislador.
Todos nos lembramos das questões levantadas com temas tão relevantes como o confinamento obrigatório ou outras, aparentemente mais comezinhas, como as do caráter obrigatório ou opcional da descarga e utilização de uma aplicação de rastreamento de contactos COVID.
Fomos bombardeados com estados de emergência que fizeram de Portugal, como aconteceu em muitos outros países, um país-laboratório.
No meio das experiências, dos avanços e recuos que experimentamos, não nos lembramos de uma questão fundamental como é a do voto e de como obviar a situações como aquela por que estamos a passar.
No meio da maior fase de propagação do vírus, o país vai a eleições. Escolheu ir nesta altura por decisão dos seus responsáveis, mas não dispensou mais do que umas linhas, a destempo, a requerer um parecer a uma entidade politicamente irresponsável, que mais não é do que o lavar de mãos de quem sabia de antemão que a resposta não poderia ser outra.
Por muito útil que seja o jogo de sombras permitido pelo bramir do biombo jurídico da PGR, não nos podemos esquecer, como país, que os responsáveis pela inação e pela irresponsabilidade que constituirá a junção de dezenas, quando não de centenas de pessoas, em espaços fechados, o que representa um risco para a saúde de todos nós, estão identificados.
Sem esquecer a Assembleia da República, o Governo é o principal promotor deste estado de coisas. A incumbência de prover pelos meios necessários à realização dos processos eleitorais é sua, sem prejuízo das competências da Comissão Nacional de Eleições.
Ao passar por dois atos eleitorais sem cuidar de deles tirar qualquer ensinamento ou proposta de alteração relevante do modelo em que decorrem as eleições presenciais, António Costa e o seu malfadado ministro Cabrita falharam novamente ao país e criaram as condições para aumentar os já tristes índices de abstenção.
Claro que agora se louva a responsabilidade cívica dos portugueses, ou não fosse essa a única vacina eficaz para o vírus da incompetência política. Só que um país decente não cria instituições complexas, como os governos e as instituições que representam os cidadãos, para, quando eles são mais necessários, descartá-los com a sofisticada premissa ultraliberal “cada um que se amanhe”.
Se a forma como se desenrolou este triste espetáculo de impreparação não é um espelho das razões estruturais pelas quais Portugal não avança, então não sei o que será.
13 Junho 2025
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