A armadilha da gratuidade universal
Ideias
2023-05-08 às 06h00
Um verdadeiro desafio para qualquer pessoa que more ou que visite Braga é deslocar-se de uma forma ativa na cidade. Andar a pé, a correr, de bicicleta, de skate, de trotinete sem motor ou de patins em linha são formas de deslocação ativas. E usar um destes modos de transporte para deslocação é difícil em Braga.
O nosso espaço público trata mal as pessoas que usam ou que querem usar os modos ativos como forma de deslocação. Eu diria mais, os decisores políticos e técnicos municipais com poder, tratam mal os modos ativos e quem os quer usar em Braga. Continuamos por isso a ser a 3.ª cidade mais poluída e com mais sinistralidade do país. Continuamos com uma média de 1 atropelamento a cada três dias. Aqui há responsabilidade municipal, porque o Município tem o dever de cuidado.
Apesar do discurso aparentemente acertado e de algum show off, a verdade é que não se vê o discurso a ser aplicado na prática. É um discurso inconsequente. Isto acontece porque muitos são os técnicos e políticos em funções que nem consideram os modos ativos como forma de deslocação e apenas olham para estes como modos recreativos ou de lazer. Quando vemos o PDM a prever ciclovia em toda a Av. Frei Bartolomeu dos Mártires, mas no site das obras do Município surge uma ecovia aos s’s a destruir o jardim das traseiras do Taxus e do Bill Sports, fica claro que continuam a desconsiderar os modos ativos.
Esta semana ouvíamos e líamos sobre um novo sistema de transportes urbano que, alegadamente, vai resolver os problemas e curar as cicatrizes urbanas, um “sistema revolucionário”.
Significa isso que vamos deixar de ter túneis e viadutos e vamos passar a ter praças, semáforos, passadeiras e ciclovias? Porque isso seria curar as cicatrizes, “revolucionar” a mobilidade e ir ao encontro ao definido no Plano Diretor Municipal, que há 10 anos refletia a Visão do atual Presidente da Câmara de até 2025 reduzir 25% de carros na cidade, ter 20 milhões de passageiros nos TUB e ter 18 mil pessoas a utilizar a bicicleta nas deslocações urbanas.
Ou vamos mascarar tudo com prolongamentos de túneis que continuam a dar o privilégio ao carro em pleno centro da cidade e não resolvem nada?
Continuamos sem saber o que vamos ter, porque apesar de anunciarem a apresentação do “projeto”, na verdade apenas se continuou a mostrar as linhas, uma linha onde aparentemente vão passar a circular autocarros de 15 em 15 minutos e uma segunda linha onde vão manter a frequência atual da linha 43 com a mesma frequência, eventualmente a atravessar a UM.
Não foi ainda apresentado o projeto que, alegadamente, será lançado para concurso público nos últimos 3 meses deste ano. Certamente que antes disso vamos ter discussão pública das peças de arquitetura e da inserção urbana, não estivéssemos nós numa democracia.
Nem uma palavra sobre os modos ativos. Vamos deixar de ter túneis e viadutos para ter praças, ciclovias e privilegiar a mobilidade sustentável? Vamos deixar de ter as travessias aéreas pedonais e passamos a ter passadeiras com semáforos? Vamos passar a ter as ciclovias previstas para os mesmos canais que se apresentaram para a linha vermelha e amarela?
Não devíamos contagiar e entusiasmar as crianças, jovens e adultos para usarem os modos ativos sem lhes dar as condições devidas para os utilizarem. Ao fazê-lo estamos a convidar as pessoas para uma verdadeira armadilha.
É preciso transformar a cidade, é preciso reorganizar o espaço público para que passem a existir condições também para os modos ativos. Sevilha fez uma mudança em quase todas as suas ruas em 18 meses, passando a ter 12% da população a pedalar. E ao mesmo tempo criou uma linha de transporte público em sítio prórpio. Não proibiu os modos ativos no casco antiguo, pelo contrário, incentivou-os.
Não podemos continuar a onerar, esquecer e tratar mal os modos ativos de transporte em Braga, numa cidade que de uma ponta à outra tem 7 km e onde mais de 50% das deslocações são efetuadas até 3 km e de carro. Na cidade com mais jovens no país, não podemos negligenciar a aposta na utilização dos modos ativos.
Precisamos deixar de avaliar a cidade apenas pelo seu centro histórico, e olhar para a cidade centrada na Rotunda das Piscinas, que hoje é o centro de Braga. É tempo de transformarmos a Rotunda das Piscinas numa grande Praça Central, de lhe darmos as condições de centralidade que merece, de olharmos para todos os modos de transporte sem pôr, efetivamente, o carro à frente de tudo o resto.
Para um martelo, tudo parece um prego e para os técnicos afetos aos projetos de mobilidade em Braga, tudo é um carro. Mas os modos ativos estão longe de serem pequenos carros, muito longe.
Será que temos pessoas capazes de considerar os modos ativos nos novos projetos que alegadamente vão transformar a cidade nos próximos dois anos? Que cidade vamos deixar para os doze anos seguintes? Vamos continuar a deixar a cidade dos carros, ou vamos efetivamente cumprir o que dizemos? Se deixarmos a cidade dos carros, então tudo não passou de greenwashing e de discurso bonito para inglês ver, e no final, a montanha pariu um rato.
Precisamos de um novo paradigma, uma nova filosofia e uma nova estratégia verdadeiramente implementada em Braga, que coloque as pessoas no centro da decisão e que inverta, efetivamente, a pirâmide da mobilidade. Para isso é necessário envolver as pessoas na discussão pública dos projetos que alegadamente revolucionarão a cidade.
O carro terá o seu espaço, mas não poderá valer mais do que qualquer outro modo de transporte. Para isso é preciso ter coragem de reverter as obras de arte.
É tempo de sairmos do urbanismo da ditadura do carro, que impõe o seu uso através de uma cidade que mete medo a quem utiliza os modos ativos e oferece um transporte público ineficiente. É tempo de democratizar o espaço público e passarmos a garantir bons percursos para quem anda a pé, segurança para quem anda de bicicleta e rapidez e eficiência para quem anda de transporte público.
A mobilidade induz-se.
19 Fevereiro 2025
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