A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2013-04-14 às 06h00
Espantava ontem a manchete do Expresso: “Portugal não precisa de dinheiro da troika até Setembro”. Os diários optavam por outros títulos: “Cortes a desempregados e doentes para reduzir ‘buraco’ no Orçamento” (Público); “Função Pública já perdeu cinco mil milhões de euros com cortes nos salários” (DN). Será que a imprensa olha para Portugal como dois países diferentes?
A fonte era não-identificada, mas esclarecia-se a sua proveniência: “governamental”. Portanto, alguém do Governo, ou próximo, resolveu dizer ao Expresso que, afinal, o nosso país tem uma “almofada financeira disponível” que é “mais do que suficiente para viver sem problemas de financiamento nos próximos meses”. Quem ouviu, sexta-feira, as declarações de Vítor Gaspar em Dublin tem certamente dificuldade em conciliar ambas as realidades. Na sequência das reuniões com os parceiros da zona euro e da União Europeia, o ministro das Finanças português anunciou que os desempregados e doentes beneficiários de subsídios públicos vão contribuir para neutralizar o buraco do Orçamento de Estado deste ano. Claro que estas e outras medidas terão de ser aprovadas pela toika que amanhã regressa (novamente) a Portugal. Segundo escrevia ontem o Público, os nossos financiadores não estão muito satisfeitos com aquilo que por cá se passa. Já tínhamos percebido isto aquando da 7ª avaliação que decorreu em Março, numa missão que foi interrompida devido a desentendimentos em relação aos cortes a fazer. Agora fala-se no desagrado quanto à ruptura consumada entre o Governo e o PS.
Estamos numa verdadeira encruzilhada. E há quem preveja que o nosso empobrecimento pode manter-se durante uma década ou mais. Ninguém aguenta, dir-me-ão. É verdade. Ontem, o DN fez as contas quanto àquilo que foi subtraído aos funcionários públicos de 2011 a 2013 entre reduções nos salários, cortes nos subsídios e aumento de contribuições para a ADSE: cinco mil milhões de euros. É muito dinheiro. E todos nós andamos muitos assustados com este ambiente de uma impensável austeridade, reflectindo-se isso em gestos banais do quotidiano (como a ida ou não a um café) ou em opções de vida mais estruturais (como ter, ou não, mais filhos). Segundo dados resultante do número de bebés que fizeram o teste do pezinho nos primeiros meses deste ano (obrigatório à nascença), o número de recém-nascidos é o mais baixo de sempre.
Neste país de paradoxos, há sempre o outro lado de tudo. Na edição de ontem, o JN mostrava aquilo que considerava ser “obras-fantasma” em Trás-os-Montes, ou seja, obras iniciadas com dinheiros públicos e interrompidas não se percebe bem porquê. Em Carrazeda de Ansiães há um cemitério em que autarquia gastou mais de um milhão de euros, mas a população não o quer; em Vila Real há um parque radical que custou 400 mil euros e que está agora abandonado; em Mirandela há um Museu de Azeite, orçado em 600 mil euros, cujas obras ficaram a meio. A tudo isto, poder-se-ia acrescentar o gasto em comitivas ministeriais cuja produtividade é dúbia; o investimento em auto-estradas por onde não passa ninguém.... O problema é antigo e as soluções tardam em aparecer.
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