A responsabilidade de todos
Escreve quem sabe
2019-09-23 às 06h00
Notificar como prática e expressão de relacionamento entre a administração pública e os cidadãos foi tema do último texto e que terminou visibilizando a importância que o parecer (esse documento escrito que condensa a avaliação técnica feita pela administração pública sobre o pedido formulado nas suas variadas e múltiplas expressões) possui.
Porque tudo, afinal, se reduz a uma questão de “querer e requerer”, implicando análise e o consequente parecer, este documento assume uma importância acrescida e relevante. Tão relevante que, desde logo, se definiu focalizar estas palavras na reflexão sobre a sua natureza e significado.
Antes de mais, convém referir, ou relembrar (porque, tantas vezes, na rotina e mecanização das nossas acções, caímos na tentação de tudo relativizar e transformar aquilo que não é o “produto final” em realidade dispensável, muitas vezes, injustificadamente necessária) que o parecer (reduzido à sua expressão mais corrente – parecer técnico) faz parte da construção de um edifício administrativo e burocrático pensado e concretizado para melhor assegurar a resposta da administração pública ao seu objectivo maior: servir as pessoas. Isto é, o parecer não existe por si só, não possui vida autónoma e percorre caminho único. Antes pelo contrário! O mesmo só ganha sentido e pertinência (e entendido como tal) se inserido no sistema desenhado de verificação, análise e decisão que qualquer pedido deve estar sujeito para melhor desempenho da administração pública.
Muitas vezes, temos a tendência de reduzir o parecer a um documento técnico que existe em si mesmo e que não é perturbador quando “positivo” mas é desvalorizado e criticado “sistematicamente” quando contraria essa mesma nossa pretensão. Na administração pública (e, reforça-se, sempre que se aborda esta administração pública e sua acção, sempre no campo da urbanística, da cidade e do território), o sistema está construído em função de três níveis: o nível da verificação processual (a chamada instrução do pedido), o nível da análise (avaliação da justeza da pretensão em função da lei e critérios condensada na chamada emissão de parecer) e o nível da decisão (o resultado final sobre o pedido formulado que se materializa no denominado despacho).
Estes três níveis hierarquizados e delimitados compõem o caminho a seguir e pressupõem um aumento quer da complexidade do trabalho, quer da relevância do seu resultado. Porque, na verdade, o nível seguinte é sempre oportunidade de correcção e superação de algo não identificado no nível anterior. O mesmo nível seguinte obriga-se a reunir mais informação e conhecimento, condensando e sintetizando mais pontos de vista, opções e interesses legítimos. Localizando-se no segundo nível deste sistema, o parecer conclui-se assim como essencialmente instrumental. Isto é, existe para expressar o resultado da análise e avaliação feita – explicitando e explicando a relação da pretensão com as leis e regulamentos aplicáveis, os critérios de trabalho e “urbanísticos” optados, ponderando a prática do serviços em situações similares, … - numa síntese escrita que visa contribuir para melhor informar o nível superior: a decisão. Ao contrário do que tantas vezes se sugere ou é entendido, o parecer não é a decisão nem o resultado final. É um documento que existe para informar e esclarecer, para melhor habilitar quem toma a decisão.
E é esta natureza informativa e contributiva do parecer que o torna ainda mais obrigatório como documento explícito e claro, justificativo e fundamentado, assertivo e equitativo. Porque influenciará uma decisão, porque não deixará de ser tido em conta no desenvolvimento do processo. Dir-se-á que é um documento importante e determinante. Mas não último e de carácter decisório. PARA SER decisão, este documento (e quem o elabora) deveria possuir uma legitimidade de poder que não tem. Para PARECER decisão, este documento deveria ser acto final e último (que não o é, embora, tantas vezes, se encare o nível seguinte meramente como procedimental…).
Vive-se hoje um momento em que o nível decisório se encontra em crise, refugiando-se, tantas vezes, nos pareceres (técnicos) como se eles fossem inultrapassáveis, vinculativos e, dir-se-á, imaculados. Esquece-se que o parecer existe para ajudar e informar. Não para decidir e inibir.
A técnica é um meio para auxiliar a atingir um fim… que a política define e persegue. Inverter este princípio é colocar em causa o próprio princípio da democratização da administração pública… O parecer não é a causa de todos os problemas (quando negativo) nem a fonte de todas as soluções (quando positivo). É caminho, seguramente muito importante, mas não a meta!
É esta dialéctica (entre o parecer e a decisão) que alimenta saudavelmente o sistema e contribui para a robustez da decisão. Afinal, reflecte ponderação, equilíbrio e fundamentação. Assunção do que pensamos e queremos. Do que podemos e as condições a que estamos sujeitos. E isto, na essência, é política. Na sua boa e saudável dimensão. Por isso mesmo… que venham rápido bons pareceres e boas decisões…
19 Março 2024
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