Entre a vergonha e o medo
Ideias
2022-10-18 às 06h00
Lembro-me de, ainda imberbe, ter sido confrontado na faculdade, nas aulas de economia política, com um conceito novo e, para mim, pouco evidente.
Vilfredo Pareto e o seu “Ótimo” não me largaram desde aí e mantiveram-se como um residual semi-sucessso da escola de Coimbra na minha pessoa.
Desde 2001 que me acompanha aquela noção clara, evidente, mas não incontroversa de que “as afetações de recursos correspondentes a ótimos de Pareto são aquelas a partir das quais deslocações mutuamente benéficas não são possíveis, pelo que não é possível melhorar a situação de um indivíduo sem prejudicar a situação de outro.” (citando a Infopédia).
No fundo, a partir de um dado momento, de nada nos valeria avançar nesse sempre inacabado objetivo de melhorar os índices de eficiência, porquanto o destino resultaria sempre em prejuízo de alguém. Como notou Pareto “O [seu] ótimo (...) corresponde a uma afetação de recursos aos agentes económicos a partir da qual não existe nenhuma reafectação possível que seja preferida por um indivíduo e não implique a perda de bem-estar de um outro. Assim sendo, as afetações de recursos correspondentes a ótimos de Pareto são aquelas a partir das quais deslocações mutuamente benéficas não são possíveis, pelo que não é possível melhorar a situação de um indivíduo sem prejudicar a situação de outro.” (novamente recorro à Infopédia). Mas, prossigo no plágio, “a ocorrência de um ótimo de Pareto tal qual ele é definido (situação em que a mudança para beneficiar um indivíduo não pode ser feita sem prejudicar outro ou outros) não é sinal direto de eficiência e maximização de bem-estar, na medida em que distribuições de rendimento que cumpram essa condição podem ser bastante injustas em termos de equidade.”.
Para quê esta obsessão com Pareto e o seu “ótimo” num texto desta coluna?
Vejamos, a tendência para a máxima eficiência da democracia tem mostrado que o caminho da sua concretização parece ser cada vez mais indissociável de um movimento para a concentração de votos em blocos “perfeitos”: o dos moderados e o dos imoderados (chamem-lhes radicais, extremistas, populistas).
Viu-se nos EUA onde a normalidade bivalente se fragmentou em 3 blocos, o dos moderados democratas e republicanos, o dos extremistas democratas e o dos extremistas republicanos.
Em França, onde já há alguns anos se assiste ao acentuar de uma tendência para o desprezo pelos partidos tradicionais, a luta concentra-se entre os moderados (hoje com Macron, amanhã sabe Deus) e os extremistas, com Le Pen à cabeça, mas também, no polo oposto, com gente como Mélenchon.
E em Itália, onde os imoderados ganharam, aliando-se, e os moderados quedaram-se sem armas para oferecer um resquício de luta digno e consequente.
O mercado político e partidário é, por isso, um exemplo sintomático de que o ótimo de Pareto não se preocupa tanto com a justiça da (re)distribuição dos votos, mas mais com uma regra insuperável de que, após um determinado patamar de divisão (saturação) democrática, o que há é que observar a eficiência dos resultados e a impossibilidade de fazer crescer determinados segmentos sem com isso prejudicar outros. Não há, no fundo, mais mercado nem se pode chegar a uma melhoria da distribuição por outros agentes, sem que os primeiros (já estabelecidos e com a sua quota fixada) sejam por isso prejudicados.
Em Portugal, começa a observar-se este fenómeno com a ascensão do movimento populista e do partido que o sustenta.
Desde logo, porque essa subida significou conversamente a erosão dos tradicionais blocos à direita. Será, porventura, a noção deste “ótimo” (que é um péssimo) que leva a que o trabalho de formiguinha seja hoje tão importante no lado social-democrata.
Lembre-se que, na política partidária, a otimização de Pareto levará, como também há sinais de já estar a acontecer, à consolidação de um espaço unido (mas não coeso) de moderação, onde se concentrem os votos dos não transferíveis para os populistas. Espaço esse liderado por um partido ou pessoa em quem, apesar de tudo, os eleitores menos desiludidos e exasperados continuam a votar. Aí já não para eleger o seu partido ou o seu candidato, mas sobretudo para negar a vitória a forças geneticamente antidemocráticas, retrógradas e profundamente divisoras da sociedade.
Esta situação, em que concorrem convictos democratas contra iliberais envergonhados acaba por ser, de forma curiosa, uma seminegação da democracia, ao esvaziar o campo da pluralidade de ideias do seu seio. Sobra uma luta pela sobrevivência democrata em campo aberto, ainda que com as regras fixadas por e pelo sistema em que vivemos.
No final perguntar-se-á: sobreviver para quê? Em caso de sucesso, o bloco indistinto de moderados vence o bloco intestino dos extremistas. Ficamos com o formalismo da democracia sobreviva, mas com a substância da alternância e da diferença completamente aniquilada. E nisso é preciso refletir sobre se os extremistas iliberais já não venceram uma batalha na guerra que parece estar ao rubro...
13 Junho 2025
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