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Braga, quinta-feira

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Picoto – bairro de ninguém

Entre a vergonha e o medo

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Picoto – bairro de ninguém

Ideias

2018-11-27 às 06h00

João Marques João Marques

Tenho-me esforçado por que não seja esquecido um legado difícil, composto de opções estratégicas erradas dos executivos PS que antecederam a liderança de Ricardo Rio e que são gravemente limitativos da ação do atual edil. Não o faço por mero esforço militante e interessado, mas porque vezes de mais, em Portugal, a culpa insiste não em morrer solteira, mas viúva. Quer dizer, todos sabem quem é o “marido” ou “esposa” da culpa, o verdadeiro responsável pelo que está ou ficou mal feito, mas ninguém ousa dizê-lo sem temor. Como resultado, o/a culpado/a vai a enterrar sem que a culpa possa assumir uma relação que ninguém desconhecia e cujos descendentes (os tais esqueletos de que tanto se fala) por aí ficam, abandonados à sua bastardia. Este comportamento leva a que os próprios responsáveis enjeitem as culpas e se enredem em desculpas que nada servem e que só desprestigiam a classe política.
Se são conhecidos os exemplos flagrantes e sonantes das piscinas olímpicas (que nunca o serão) ou do estádio municipal (cuja fatura ameaça eternizar-se), não devemos esquecer casos menos espampanantes e que afetam o quotidiano de muitos bracarenses.
É conveniente evitarmos concidadãos que vivem afastados dos postais turísticos ou dos créditos hipertecnológicos de start-ups ou end-downs variadas, gente cujos feitos se limitam à gestão do seu núcleo familiar (quando exista) e cujo horizonte de esperança se inicia e acaba no mesmo dia. São esses, contudo, que mais precisam de atenção e do apoio das instituições públicas.
Felizmente, como aqui já tive a oportunidade de demonstrar, a Câmara Municipal de Braga tem sabido estar à altura dos desafios e gizou, nas suas prioridades, um ambicioso plano de requalificação dos chamados “bairros sociais” da cidade. Suportado, em boa parte, por fundos comunitários, mas sem prescindir de um forte impulso financeiro municipal, a revitalização dos bairros das Enguardas e Santa Tecla (para lá de intervenções nas Andorinhas e da remodelação da zona dos Falcões) representa o compromisso do atual executivo com todos os bracarenses, independentemente do seu estrato social e das vicissitudes que a vida lhes reservou. Há, todavia, desafios que se mantêm e para os quais a solução é tudo menos fácil.
Fruto das tais heranças de um passado a que Braga não quer voltar, Ricardo Rio tem hoje em mãos um “berbicacho” de muito difícil resolução. Imagine o leitor que o bairro do Picoto foi edificado em terrenos que não pertenciam (nem pertencem) ao município. Quer isto dizer, que a Câmara Municipal de Braga, à altura liderada por Mesquita Machado, converteu-se ao movimento “ocupa” e, nos idos de 98, enquanto Lisboa abria Portugal ao mundo com a famosa Expo, Braga fechava a porta à igreja, ocupando-lhe terrenos. Talvez seja este um reflexo, deferido no tempo, dos ideais jacobinos de algumas franjas da revolução francesa. Quanto a mim, parece-me ter sido apenas o desleixo, a incompetência e, até, a soberba de quem, por essa altura, já não se limitava a governar os destinos do concelho, mas efetivamente mandava nos destinos da velha Bracara Augusta.
Se essa postura já era criticável por si, mais condenável se torna quando redunda em atropelos à lei, violação da propriedade privada de terceiros e prejuízo para a vida dos cidadãos. E foi isso mesmo que aconteceu com os terrenos do Picoto, onde hoje está domiciliada a vida de dezenas de bracarenses, em condições que nos devem entristecer. Infelizmente, este imbróglio jurídico tem reflexo direto na capacidade de a autarquia intervir na requalificação das habitações que erigiu. Desde logo, por não se tratar de propriedade do município, os prédios do bairro do Picoto não puderam, sequer, ser objeto de candidatura a fundos comunitários que facilitassem a tão necessitada intervenção. O caminho, no momento, passa por negociar com a proprietária dos terrenos e tentar, a bem, encontrar uma solução que congregue os interesses de todos e salvaguarde aquilo que é fundamental, a dignidade das pessoas que vivem naquele bairro.
Como se vê, o PS, ao patrocinar a ocupação ilegal dos terrenos de privados, não minou apenas a relação das entidades públicas com todos nós, cidadãos, instituições e empresas, que contamos com a boa-fé e escrupuloso cumprimento das regras por parte de quem tem de dar o exemplo e está legalmente vinculado a uma atuação conforme ao Estado de Direito democrático. Assim agindo, o PS (o antigo, por ação e o presente, por omissão) coartou a liberdade de ação indispensável à Câmara Municipal para que esta pudesse ajudar quem justamente merece um auxílio mais forte e imediato. Este é um dos tais esqueletos pouco mediáticos, mas que é fundamental não deixar cair no esquecimento, pois ele é bem revelador de um período histórico-político que temos de continuar a denunciar, sob pena de o repetirmos e deixarmos a culpa novamente viúva e os cidadãos novamente sem rede.

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