Ser ou não ser
Ideias
2017-05-01 às 06h00
O século XXI tem-se revelado particularmente surpreendente. As redes sociais fizeram com que todos os cidadãos passassem a ter uma vida pública sem que estivéssemos minimamente preparados para isso. Em resposta a esse movimento, os órgãos de comunicação social tradicionais, atarantados com a revolução digital e esmagados pela falta de financiamento, passaram a comportar-se como redes sociais, desmerecendo o seu papel de mediadores da informação veiculada.
Não creio que seja excessivo considerar que estamos perante uma revolução social semelhante à que foi operada pela invenção da imprensa: se com a criação de Gutenberg (1398-1468) se massificou a distribuição da informação, as redes sociais massificaram a sua produção com todas as consequências que estamos a vivenciar.
Um dos principais problemas das redes sociais, que tão sabiamente tem sido utilizado pelos movimentos de extrema direita e extrema esquerda, é a maximização do erro. Uma notícia falsa ou enviesada pode ser amplificada de forma extraordinária, contribuindo para a criação de percepções erradas acerca do mundo e da sociedade em que vivemos. Uma notícia antiga pode ser partilhada como se tivesse acontecido hoje, sendo necessária uma atenção excepcional para descobrir a sua verdadeira data. Uma calúnia pode ser partilhada durante anos apesar da sua evidente falsidade.
Foi assim que chegámos a um tempo em que podemos fazer as pessoas acreditarem que a criminalidade está a aumentar quando diminui drasticamente, que os imigrantes são seres perigosos quando são indistinguíveis de qualquer um de nós, que vivemos pior quando temos melhores condições de vida do que nunca ou que a medicina científica é prejudicial quando ajuda a proporcionar as mais longas e saudáveis vidas da história da humanidade.
A combinação de medo e desinformação tem favorecido o avanço de uma irracionalidade que tem nos fundamentalismos religiosos, nacionalistas e pseudocientíficos os seus sintomas mais visíveis.
A evitável morte de uma adolescente por sarampo e o triste espetáculo mediático que se lhe seguiu expõe os desafios com que a comunidade científica se depara. Num momento em que não existe qualquer dúvida de que a vacinação contra o sarampo é eficaz e evita mortes (segundo a Organização Mundial de Saúde, a vacina evitou 20 milhões de mortes por sarampo entre 2000 e 2015), a RTP entendeu que seria útil confrontar os factos da medicina científica que salva vidas com as crenças religiosas da pseudociência que leva a que alguns pais coloquem os seus próprios filhos em risco de vida.
Ao fazê-lo, a RTP colocou a verdade e a mentira no mesmo plano, fez publicidade enganosa a quem vende água açucarada como se fossem tratamentos e ajudou a confundir o público que pretendia esclarecer
É que, como bem diz o povo, a ignorância é demasiado determinada e atrevida diante da honestidade científica de quem sabe que o conhecimento é finito e está em permanente construção.
É uma evidência demasiado óbvia que a medicina científica contribuiu de forma decisiva para a melhoria do bem-estar coletivo, para o aumento da esperança média de vida e para a redução das consequências de muitas doenças anterior- mente mortais. Foi graças à determinação daqueles que lutaram pela racionalidade científica contra o romantismo obscurantista e religioso que muitos de nós estamos vivos. E é por isso que prometer tratamentos e curas com práticas sem eficácia científica demonstrada não é só um caso de estupidez: é um crime doloso ao qual não podemos continuar indiferentes.
Apesar do bom senso e da ciência serem bem mais difíceis de difundir do que as promessas irrealistas de cura proporcionadas por algumas das técnicas pseudocientíficas e religiosas que se vendem por aí, não creio que a ignorância possa prevalecer sobre a racionalidade. A menos que queiramos voltar a uma espécie de Paleolítico onde sobrevivíamos até aos 35 anos de idade. É capaz de não ser boa ideia.
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