A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2022-01-31 às 06h00
À hora em que escrevo esta crónica, nada sei sobre os resultados eleitorais. Estas legislativas sempre se apresentaram como imprevisíveis e as sondagens não deixaram pistas seguras sobre as escolhas dos portugueses. E isso tornou ainda mais difícil votar.
Há um eleitorado fiel a certos partidos. Independentemente das conjunturas, determinados votantes não mudam o seu sentido de voto. No entanto, há também aqueles que fazem escolhas estratégicas. Esse eleitorado flutuante é mais vulnerável à campanha e à noticiabilidade que se vai produzindo sobre o assunto. No entanto, nestes dias, nem a propaganda eleitoral foi propriamente esclarecedora, nem os media noticiosos ajudaram a clarificar o que poderia acontecer a partir de agora. Na base de todas as dificuldades, esteve o cenário de uma maioria absoluta que as sondagens garantiram como inalcançável e candidatos que se mostraram demasiado prudentes sobre os possíveis acordos a fazer em caso de uma maioria relativa.
Coloquemos como hipótese que nenhum partido conquistou ontem a tal desejada maioria absoluta. Perante tal situação, esta semana será certamente pródiga em reuniões formais e em intrincados acordos de bastidores. O mais importante, como de costume, será cuidadosamente urdido longe dos olhares públicos. Não seria isso criticável, não fosse a terrível instabilidade que pode instalar-se de agora em diante.
Em tempo de campanha eleitoral, todos percebemos que os partidos não têm uma base comum sólida a partir da qual se possa começar a delinear um acordo seguro. O passado recente já nos mostrou que Partido Comunista e Bloco de Esquerda são uma espécie de primos desavindos, com muita dificuldade de conviverem, ainda que por breves momentos, em espaços comuns. E isso torna complicado qualquer acordo à esquerda. No entanto, o PS tem ainda a possibilidade de acertar acordos com o PAN ou o Livre...Mais à direita, o líder do CDS foi apanhado de surpresa por uma inesperada rejeição do PSD em fazer um acordo pré-eleitoral e, à medida que os partidos iam progredindo no terreno, percebemos que Rodrigues dos Santos e Rio não serão decerto os melhores amigos. E ainda há uma espécie de elefante numa sala de porcelanas, chamado Chega, de quem os outros partidos de direita evitaram falar, mas que certamente irá fazer parte das conversações parlamentares...
Claro que há sempre a possibilidade de hoje estarmos a acordar para uma imperturbabilidade política, resultante de uma vitória retumbante de um dos partidos a votos.
O próximo Governo terá de ser mais estável. Não podemos (de todo!) andar de eleição em eleição, convertendo o Parlamento numa espécie de roleta russa cujo jogo ditará sempre resultados inesperados. Depois de mais de dois anos de uma pesada pandemia, precisamos de uma conjuntura política que permita trabalhar afincadamente ao longo de uma legislatura. À nossa frente, teremos muito dinheiro de um Plano de Recuperação e Resiliência que necessita de uma concretização equilibrada, comprometida em combater assimetrias e construir caminhos de inovação e de sustentabilidade.
Com a maioria que os votos ditaram, que este novo Governo seja capaz de erguer uma legislatura sólida e consistente. E que, pelo menos, conte com uma oposição responsável, capaz de selar compromissos que garantam a estabilidade indispensável para governar.
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