Um batizado especial
Ideias
2021-01-25 às 06h00
Será um país submerso em várias crises aquele que o próximo Presidente da República receberá na sua tomada de posse. Não bastará os afetos para levantar os portugueses do chão. Será preciso mais: minimizar crispações políticas, multiplicar confiança nos investidores, promover políticas económicas e sociais que neutralizem desigualdades e assimetrias. Não serão fáceis os próximos anos...
À hora em que escrevo esta crónica, não sei ainda o resultado deste escrutínio. Votei por volta das 8 horas da manhã. Cá fora, a fila já se estendia por uns metros. Dentro do edifício, era impossível manter o distanciamento desejado. “Não podiam ter arranjado melhor ajuntamento”, atira um senhor à minha frente. Em silêncio, vou pensando nos efeitos que a insistência na data destas eleições poderá provocar daqui a duas semanas. O país em confinamento não se salvará tão cedo. E isso vai ser duro para todos.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de políticos firmes, céleres e assertivos nos processos de decisão, capazes de fazer pontes, empáticos com o sofrimento, avessos a excessivos formalismos. Nos últimos anos, conseguimos sair de uma brutal crise financeira juntando estas características nos titulares dos órgãos de soberania. E recuperámos algum ânimo. Que, entretanto, perdemos. Também os políticos mudaram. Porque a realidade se transformou radicalmente. E nós também.
Lembro o 10 de junho de 2016. A manhã soalheira começava com um certo aparato militar em pleno Terreiro do Paço, onde se viam cerca de 1500 militares de 30 unidades das Forças Armadas. O Presidente da República fazia assim regressar ali as comemorações do Dia de Portugal, 43 anos depois de lá ter havido uma parada militar, sob a presidência de Américo Tomás. “Aqui se misturaram gentes, culturas e produtos, vindos por terra ou trazidos por naus e caravelas dos lugares mais longínquos que fomos descobrindo (...). O nosso cosmopolitismo começou aqui”, sublinhou. Também foi ali que Portugal se ergueu depois do terramoto de 1755. “Esta praça tornou-se uma das mais belas da Europa”, disse, para sublinhar que os portugueses mostraram ao mundo de que “fibra” são feitos. O povo, sobretudo. Que esteve sempre no centro do primeiro discurso de Marcelo proferido neste 10 de junho: “Quando a pátria é posta à prova, é sempre o povo quem assume um papel determinante. O povo, sempre o povo, a lutar por Portugal. Mesmo quando algumas elites, ou melhor, as que como tal se julgavam, nos falharam em troca de prebendas vantajosas, de títulos pomposos.”
Enquanto vou escrevendo, vou calculando que teremos uma evolução na continuidade, mas a abstenção pode levar-nos a uma segunda volta. Estamos no meio de uma enorme imprevisibilidade. O futuro falha-nos. Quer Marcelo continue em Belém, quer o país escolha outro candidato, o maior desafio do próximo Presidente da República será sempre o de ajudar a encontrar o melhor caminho para o país sair desta crise dedálica. Em nenhum dos cenários económicos, a economia recuperará tão cedo daquilo que perdeu em 2020, que terá levado a uma queda do PIB de 8.1% nos cálculos do banco central. O próprio primeiro-ministro já reconheceu que antes de 2022 não estaremos onde estávamos em 2019. Custa imaginar este pesadelo em que continuaremos afundados ainda por mais uns largos meses.
Num regime semipresidencialista, o chefe do Estado tem os poderes algo contidos, mas o seu campo de ação é vasto: o veto, a dissolução do Parlamento, a demissão de governo... Do ponto de vista formal, é ao Presidente da República que compete decretar o estado de emergência do país, formalizando-o nos termos que julga mais convenientes, criando assim uma espécie de espartilho jurídico dentro do qual todos devem atuar. Há ainda o poder simbólico que tem a ver com a confiança e os elos que ligam um Presidente a um país. É aí que o inquilino de Belém encontra a força e a legitimidade para exercer a tal magistratura de influência que vai formatando os destinos de um país.
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