A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2023-06-19 às 06h00
Para os bracarenses, não há S. João como o de Braga. Não é a maior festa popular em Portugal, mas para nós é a melhor, porque é nossa e isso vale muito. Não vou pronunciar-me sobre o calendário das obras na Avenida da Liberdade, porque ainda não ouvi explicações fundamentadas acerca do que levou a virar essa artéria do avesso nesta altura do ano, mas estou certa de uma coisa: em Braga, o S. João tem o seu epicentro na Ponte.
Não é preciso fazer grandes indagações arqueológicas para perceber que as festas joaninas estão intrinsecamente ligadas a determinados lugares: ao Parque de S. João e à capela com o mesmo nome, um edifício construído em 1616, alvo de várias modificações ao longo dos anos, tendo, na primeira metade de século XX, incorporado um retábulo em pedra com a imagem do padroeiro. Nas imediações, multiplicaram-se manifestações populares, nomeadamente os santos colocados nas margens do rio Este, divididos em cada um dos lados da Avenida da Liberdade. De um lado, vê-se uma representação icónica do batismo de Cristo e do outro encontra-se S. Cristóvão, com o menino Jesus aos ombros, sobre as águas do rio Este. E, quando em pleno dia 24 de junho, se acompanha o carro dos Pastores e do Rei David, todos sabemos que o percurso se fecha em pleno coração das festas: no topo sul da Avenida da Liberdade.
Por estes dias, tem circulado a informação de que há uma intenção de transferir as festas para o lado norte da Avenida. Será isso um boato, decerto, porque, mesmo com estas inesperadas obras em pleno mês de junho, é em torno da capela de S. João que tudo deve acontecer. Porque, recorde-se, esta é uma festa religiosa e é ali, onde está o símbolo maior destas festividades, que o principal deve ter lugar. Assim, impõe-se urgentemente uma comunicação clara das entidades oficiais a desfazer o equívoco entretanto gerado, centrando a mensagem onde ela deve estar: em Braga, o S. João continuará a ser na Ponte.
Sendo uma festa tipicamente popular, o S. João precisa de chamar a si sinais distintivos genuínos. A começar por aqueles que compõem a festa: dos gigantones às bandas de música, a festa deve fazer-se com as gentes bracarenses e não com grupos contratados noutros locais. Num concelho tão populoso como o de Braga, é preciso gerar mais vontades para chamar para estas festividades pessoas que sentem este S. João como seu, nomeadamente os mais jovens. Aqui, nunca teremos a maior festa popular, mas poderemos criar a festa mais autêntica desde que devolvida a quem cá reside. Nas freguesias e nas cidades. Pertencendo a grupos associativos ou não tendo ligação a qualquer coletividade. Sendo mais velho ou mais novo. É esta aposta diversificada que urge fazer.
Nem sempre se revela fácil manter a tradição e, simultaneamente, inovar, mas é nisso que se distingue uma gestão moderna e atenta ao interesse público daquilo que se tem em mãos. Do passado, o S. João trouxe até ao presente a noite do dia 23 que junta espontaneamente multidões nas ruas, os carros dos Pastores e do rei David e alguns vendedores de rua e grupos populares que desfilam pelas ruas da cidade, mas, nestes anos, o que realmente foi criado para se constituir como legado que perdure no futuro? Muito pouco, para não dizer nada.
É exatamente aqui que temos de nos situar para pensar qualquer programa são joanino que, como se calcula, implica inevitavelmente investimentos avultados. Ora, como estamos a falar de dinheiro público, a sua aplicação deve ser criteriosa e colocada ao serviço do desenvolvimento local. Contratar grupos de animação fora do concelho pode fornecer uma resposta célere à realização do evento, mas não cria raízes, nem tão pouco incrementa sentido de comunidade. Ora, é isso que o S. João deve ser em Braga: uma festa que una bracarenses, que mobilize freguesias, que desperte a cidade e que se apresente como um momento ímpar para mostrar que há um S. João único: aquele feito, acima de tudo, por gentes que escolhem Braga como lugar de acolhimento.
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