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Por uma gaivota

A necessidade de dizer chega

Por uma gaivota

Escreve quem sabe

2023-05-28 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Com fábulas ilustramos valores e atitudes, reconhecendo que ao homem não basta o que é do humano, reconhecendo que precisamos de distanciar-nos de nós para melhor atingirmos vícios em que incorramos e virtudes de que nos arredemos.
Por norma, da comparação não resulta que o homem real se declare ofendido, que amarelo se lhe volva o sorriso, que o conto desacredite como uma infantilidade de mínimo ouvir e pronto esquecer, eventualmente porque a moral da história seja invocada para um pateta ausente, que proveito algum tiraria em todo o caso, porque de aselhice pegajosa, aderente, impassível de erradicação.

Tem o homem, também, coisa séria com a bicharada, e não se presume apenas a domesticação e a exploração para aproveitamento alimentar corrente, para fins de pesquisa farmacêutica, em que condenada cobaia é o pobre bichito, por vivo contraste com tantos que são alvo de afecto doméstico, que uns dizem ridículo, mas que outros cotam como puro e altruísta.
Com animais aprendemos, realmente, e já Leonardo da Vinci, segundo consta, estudava as aves para desvendar os segredos do voo, para que uma fronteira fosse conquistada, no ar se elevando e pelo ar se deslocando o homem.
Séculos volvidos, não dá o homem por concluído o estudo das dinâmicas do voo e eu, que com passaredo me encanto, convoco a esta crónica os conceitos de voo estável e voo instável ou turbulento, domínios em que mestra é a gaivota.

Não o será por exclusivo, mas aparentemente é a que por melhor exemplo se presta e a de mais fácil estudo. Tem, a meus olhos, a vantagem de muito a ter-mos celebrado em período glorioso da nossa história social. De 74-75, quem não recorda a presença recorrente da Grândola e da Gaivota nas estações de rádio, nas acções de rua, nos comícios? Havia outros cantares, mas a Gaivota era incontornável. A Gaivota era o nosso talismã. A Gaivota era cada um de nós de asas abertas ao futuro – nós com ela, nós na sua esteira, aproveitando a mais leve das brisas para suplantarmos décadas, senão séculos de atrasos.Voo rasteiro foi o nosso, sem que culpas tenha a mestra. Sendo possível que não consigamos incorporar o que ela tenha para nos ensinar, aqui reporto o que os bons dos cientistas dão por estabelecido. Tem a gaivota um centro de gravidade. Não é estranho, até nós o temos, e é da gíria que os futebolistas de baixa estatura, por força de favorável centro de gravidade, são mais dotados para a finta, e de boas memórias seja o Rui Barros. Para trás, no sentido da cauda, para a frente, no do bico, segundo as circunstâncias, determina-se um ponto nevrálgico na relação corpo-meio, dito o ponto-morto. Ora, com o ponto-morto recuado, a gaivota voa com toda a ligeireza, acontecendo o contrário, quando pela matriz de forças ele é puxado para a frente. O belo, nesta alegoria, é que a gaivota não tarda em introduzir a correcção, logo que o meio se revela, digamos, hostil.

Quão mais não demoramos nós a recobrar andamento estável! Quão mais não demoramos nós a eximir-nos à turbulência! Digamos nós que na gaivota a correcção é reflexa, é instintiva, mecanismos que pela nossa natureza superior nos estão vedados. Mas de que nos serve um intelecto que nos atrasa, mais do que nos adianta!?
Ocorre-me, por alternativa, que talvez estejamos a empregar mal os nossos recursos, que o nosso comportamento racional talvez de todo o não seja. Talvez, por exemplo, a manutenção de Galamba seja uma correcção paradoxal, no sentido de que avoluma o erro, de que aumenta a entropia. Talvez com os pássaros não aceitem aprender os passarões…
PS Crónica elaborada por inteligência natural, em modo estável.

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