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Presidenciáveis

A força da gratidão

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Ideias

2024-11-28 às 06h00

Bruno Gonçalves Bruno Gonçalves

Com a forçosa saída de Marcelo Rebelo de Sousa, que cumpre atualmente o seu segundo e último mandato como Presidente da República, tem vindo a ganhar tração mediática a análise e especulação sobre os possíveis candidatos à eleição Presidencial de 2026. Não faltam opções e ideias para animar este exercício, até porque, como a vantagem de incumbente não está em cena, o terreno parece mais aberto.
Depois de duas décadas onde o cargo foi ocupado por figuras da direita, em quatro eleições sucessivamente contestadas de forma algo errática por parte da esquerda, inverter esse ciclo é (ainda) mais importante no atual contexto. Ou seja, não só para assegurar uma saudável alternância democrática no cargo de Presidente da República, mas também para garantir uma fonte de contrapeso ao Governo da Aliança Democrática e à maioria de direita e extrema-direita na Assembleia da República.
Nesse sentido, importa que o Partido Socialista não se apresente indeciso sobre quem apoia neste ato eleitoral. É verdade que duas figuras de proa, a quem todos os portugueses reconheceriam currículo e capacidade para o cargo, estão indisponíveis. António Guterres estará no decurso do seu segundo mandato enquanto Secretário-Geral das Nações Unidas, e António Costa recebeu a confiança de 27 Chefes de Estado da União Europeia para exercer a Presidência do Conselho Europeu, a partir do próximo dia 1 de dezembro.
Não obstante, perdura a convicção de que candidatos não faltam ao campo político da esquerda moderada. Até agora, entre os vários nomes avançados destacam-se, em particular, três pessoas de qua- lidade comprovada: António Vitorino, António José Seguro e Mário Centeno. Seja qual for a sua opção individual (de avançar ou não com uma candidatura) e a decisão posterior do Partido Socialista sobre quem apoiar, sabemos que existem todas as condições para uma representação forte e inequívoca - ao contrário do passado recente - nas eleições Presidenciais.
Também à direita proliferam vários nomes, na certeza de que nenhum dos candidatos será tão consensual como Marcelo Rebelo de Sousa. Luís Marques Mendes tem vindo a preparar, de forma diligente, uma sucessão a Marcelo no cargo de Presidente, tal como o substituiu nas funções televisivas. Mas não é certo que a notoriedade conquistada nesse registo seja abonatória, tendo em conta o crescente desgaste com a tentação, tantas vezes con- cretizada, do atual Presidente em continuar a fazer comentários pontuais sobre atualidade.
Pedro Santana Lopes ainda tenta infiltrar-se na conversa, mas a memória da sua instável experiência como Primeiro-ministro será uma condicionante omnipresente. E se há quem continue a suspirar por Pedro Passos Coelho, também a memória da grande maioria dos portugueses sobre este Primeiro-ministro, que quis “ir além da Troika”, ainda está demasiado fresca. Já o seu Vice, Paulo Portas, foi rotundamente rejeitado por Luís Montenegro, que definiu a militância do PSD como critério de admissão.
André Ventura até admitiu a possibilidade de apoiar um candidato fora do seu partido, elogiando algumas das figuras cogitadas, mas (como tem sido habitual) já começou a dar o dito por não dito. Afinal, não descarta uma candidatura em nome próprio. Nada de surpreendente - o que seria verdadeiramente inesperado era o Presidente do Chega desperdiçar uma oportunidade de chamar os holofotes a si próprio.
É neste quadro que tem ganho corpo a possibilidade do Almirante Henrique Gouveia e Melo, atual Chefe do Estado-Maior da Armada, concorrer às Eleições Presidenciais de 2026. Em particular depois de, esta semana, Gouveia e Melo ter informado o Governo que não quer ser reconduzido às suas funções. Conhecido pelos portugueses pelo trabalho notável durante a pandemia - e pelo qual merece todo o nosso agradecimento - desde então que o Almirante tem namorado com a ideia de transitar para o cargo de Presidente da República.
Sem que tal represente qualquer desprimor pelo caráter e competência do Almirante, o entusiasmo em torno da sua putativa candidatura merece, em particular, dois reparos críticos de antemão. Em primeiro lugar, o simples facto de que as suas posições políticas sejam desconhecidas por todos os cidadãos portugueses. Estando nós perante um dos cargos mais importantes para o funcionamento institucional do país, não podemos depositar esperanças na incerteza.
Parte do ímpeto gerado, nomeadamente entre alguma da comunicação social generalista, emana da tendência anti-sistema que se tornou comum. A proveniência de qualquer meio - que não a política - serve de automática prova de mérito, sem que se teste verdadeiramente o conteúdo ou se escrutinem as ideias. Tudo isto mesmo quando é evidente que o sucesso de um plano de vacinação contra a Covid-19 não se pode confundir com um atestado de aptidão para o exercício da Presidência da República.
Em segundo lugar, precisamente por-que nutro o maior respeito pelas nossas forças armadas, acredito que é funda-mental preservar o perfil independente dos meios militares em relação ao po- der político. A função que desempenham deve ultrapassar as diferenças políticas da nossa sociedade democrática, de for-ma a libertar as forças armadas para um exercício tão neutro e abrangente quanto possível. Foi essa clarificação que Por- tugal procurou estabelecer em 1982, com a separação entre contexto civil e mili- tar.
Sim, o Almirante Gouveia e Melo pode ambicionar o cargo de Presidente. Tem até o direito constitucional de concorrer a eleições, após cessar a sua carreira militar. Mas acredito que tem igualmente a responsabilidade e o dever de contribuir para proteger este legado da República - para que as formas armadas não sejam associadas a qualquer um dos campos políticos, mantendo a sua conotação como uma esfera ao serviço de todos os portugueses. Não se candidatar seria, curiosa e paradoxalmente, a atitude mais presidenciável a ter.

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