Um batizado especial
Ideias
2022-01-12 às 06h00
Acorrupção será, seguramente, um dos temas recorrentes da campanha para as eleições legislativas que, agora, em Portugal, vivemos. É também o típico problema que se realça e debate, com veemência acrescida, em momentos de crise ou de sensação de fim de ciclo político.
Sempre houve corrupção. Sempre existirá - a não ser que consigamos, um dia, construir uma sociedade de anjos. Porém, a própria existência de anjos pressupõe, como contraponto, a correlativa existência de demónios. Não há anjos sem demónios! Logo, como de um modo geral é assinalado, o que importará é conter, reduzir, tornar mesmo insignificante e verdadeiramente excecional a corrupção, na medida em que não parece possível engendrar-se um funcionamento político e social absolutamente imune ao fenómeno.
Como dissemos, em períodos de campanha eleitoral como o que agora, em Portugal, vivemos, a corrupção emerge com força na narrativa político-mediática. Mas, creio que nesse ponto em particular, somos, enquanto sociedade politicamente organizada, enquanto Estado, pouco profícuos em ações e muito prolíferos em palavras e proclamações. Generalizadamente, no plano da narrativa (nomeadamente, política) há um consenso. Creio, no entanto, que a inconsequência visível das palavras proclamatórias da necessidade de se combater a corrupção, tem várias causas que, nem sempre, são colocadas em cima da mesa… A corrupção – sobretudo no âmbito da decisão política – sofisticou-se. Os métodos tornaram-se mais complexos do que antigamente, respondendo, também, a um ganho de eficácia, nesse combate empreendido pelas instituições e pelas autoridades policiais e judiciais. Hoje, ao contrário do que sucedida há alguns anos atrás, nenhum cidadão aceita, passiva e sem um mínimo de indignação, certos fenómenos de corrupção que, por vezes, nos são revelados. A própria comunicação social, fazendo (e bem) o seu papel, embrulha-nos as notícias de uma forma apelativa à nossa indignação; caso contrário, os factos, por si só, não seriam, em certas ocorrências, notícia, nem teriam impacto mediático. Cobrir os fenómenos de uma capa de moralismo fácil, de falta de rigor, de tons de choque emotivo é, também, uma forma de corrupção ténue e sub-reptícia, praticada pela imprensa, contra o rigor e em busca de um acréscimo de audiência e de peso ou capacidade de pressão no jogo político. No fundo, de conquista de poder! E, em grande medida, hoje em dia, a conquista do poder político passa pela conquista do poder comunicacional. De todo o modo, tem sido, também, graças à imprensa que vamos tendo mais consciência da presença reiterada do fenómeno. A corrupção política é grandemente um fenómeno que se conhece mediaticamente, porque a sociedade atual, também ela, é uma sociedade já mediatizada e cada vez mais mediática (sociedade técnica da informação). Mas, hoje e sobretudo a nível de decisão política, a corrupção já não é linear, praticada de um modo bilateral, entre um agente corruptor e um corrompido. Há fenómenos de corrupção mediata, concretizada através de comportamentos lícitos e dificilmente tuteláveis judicialmente. Há uma corrupção estrutural que não é diretamente praticada pelo “árbitro” (ou com a complacência deste), mas sim materializada através de um trabalho prévio e invisível de “inclinação do campo do jogo”. Claro está que se se puder conduzir o decisor político legítimo a promover certo tipo de legislação que, a montante ou a jusante, favoreça (mediatamente) certos interesses, quem aplique ou se conforme com o quadro legal então construído, acabará por ser uma espécie de veículo concretizador desses interesses (de boa ou de má fé, mas dificilmente passível de ser perseguido, pela sua ação, pelas malhas do poder judicial ou policial). É esta corrupção de sistema ou estrutural que, ainda que pouco visível, corrói mais perigosamente os alicerces do Estado de Direito material e, no fundo, acaba com os regimes. Por exemplo, a ação, pelo que hoje vamos sabendo, do extinto grupo do BES e de Ricardo Salgado, parecem ilustrar essa espécie de corrupção em modo de “networking”, estrutural; uma verdadeira corrupção de Estado!
Ora, no passado dia 22 de novembro, um tribunal de um Estado-membro – no caso, da Eslováquia - condenou, pela primeira vez, na sequência de uma ação da Procuradoria europeia, um ex-presidente de câmara, a uma pena de prisão (embora suspensa) e à proibição do exercício de funções (por um período de 5 anos). Tratou-se de um crime de corrupção, envolvendo fundos europeus. Como referia o “Le Monde” (edição “on-line” do dia 4 de janeiro), a própria História da construção europeia registará esta condenação como sendo a primeira promovida pela novel Procuradoria, dirigida pela romena Laura Kovesi que abriu já, no espaço de 6 meses, cerca de 500 inquéritos, em matérias da sua competência (fraudes e corrupção com o I.V.A. e fundos europeus).
Passos assertivos, consequentes, da Procuradoria europeia. Ações visíveis e percecionadas como justas e adequados (mesmo exemplares) desta Procuradoria supranacional, poderão ser um exemplo consequente de que a Europa está efetivamente empenhada em se manter como uma efetiva União de Direito. Reforçando a sua credibilidade, através do combate (com poucas palavras!) contra a corrupção.
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