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‘Prontidão 2030’ vs. uma ‘potência Disney’

Ser Dirigente no CNE - Desafios

‘Prontidão 2030’ vs. uma ‘potência Disney’

Ideias

2025-03-22 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

“Prontidão 2030” é o novo nome do plano de defesa e segurança da Europa. Na verdade, o programa específico, apresentado pela Presidente da Comissão, no passado dia 4 de março, no montante global de 800.000 milhões de Euros, denomina-se “SAFE”. “Prontidão 2030” é o plano global – no qual se inclui o “SAFE” - que pretende impulsar a Europa para uma dimensão de potência, também ela, de “hard – power”, apta a ter “autonomia estratégica” em matéria de defesa e segurança comuns. Mas o que pode ser uma nota curiosa é o pormenor de esse plano (“Prontidão 2030”) ter sido rebatizado, na medida em que, inicialmente, Úrsula von der Leyen apresentou-o como sendo, simplesmente, o plano de “Rearmamento da Europa”. De “Rearmamento”, passou-se para “Prontidão”, por influência de Itália e de Espanha. Na verdade, a opinião de Meloni é sensata e adequada ao que se pretende para esta “nova” Europa, não dependente de humores, como, por exemplo, os humores trumpistas. Disse Meloni que não gostava da expressão “rearmamento”, pois “era um nome enganador para os cidadãos, porque somos chamados a reforçar as nossas capacidades de defesa, mas, hoje em dia, isso não significa comprar armamento de forma trivial”. O foco, para Meloni, deveria ser mais amplo, abrangendo “a operacionalidade, os serviços essenciais, as infraestruturas energéticas, as cadeias de abastecimento: tudo o que não se faz simplesmente com armas”. Pedro Sánchez partilhou a mesma visão, dizendo que entendia ser (“rearmamento”) uma “visão incompleta” da defesa. Ora, estas opiniões – fundamentadas e compreensíveis – não deixam, apesar de tudo, de transparecer uma certa incomodidade perante a crueza da expressão “rearmamento” e uma certa sensibilidade muito europeia. Que tende para uma suavização da crueza da realidade! Apesar de, por outro lado - repita-se - exprimirem, racionalmente, uma visão acertada da defesa comum. Mas, ainda assim….
Ainda assim, não deixo de pressentir (e admito que possa estar enganado) um certo preconceito desconfortável com a realidade e, especificamente, com a realidade da guerra. Desconforto (no mínimo) todos temos – porém, habitualmente, esse desconforto, na História da Europa, tem conduzido a perigosas e equívocas tomadas de decisões. Tendemos a pensar que a cosmovisão humanista e conciliadora que é um traço europeu, assim como a apetência democrática, são verdades universais. Tendemos a ver o mundo de um modo eurocêntrico; todas as pessoas, todos os Homens, países e regimes, lá no fundo, às vezes, bem lá no fundo mesmo, têm sempre algo de bom e de reciclável. Pelo que, por exemplo, na Conferência de Munique, em 1939, acreditaram alguns estadistas europeus que seria possível acalmar a loucura de Hitler, dando-lhe, de mão beijada, o Sudeto, à custa da Checoslováquia que o IIIº Reich tinha invadido. Isso, na esperança de não haver guerra. Houve, como se sabe! Durante os primeiros 15 anos do regime de Putin, a Alemanha (e não só), tentou ver na Rússia, muito por conveniência económica, um novo parceiro pan-europeu. Havia informação suficiente sobre Putin, porém, agimos, com toda a compla- cência e bonomia europeias, perante o Kremlin putinista.
Ora, agora, estamos perante uma inadiável necessidade de enfrentar, com a crueza que ela merece, a realidade. Tal como em fevereiro de 2022, a Rússia obrigou-nos a acabar com a nossa ilusão de que vivíamos uma era de “impossibilidade Histórica” do retorno das guerras territoriais, agora, é Trump que nos ajuda a compreender que temos e devemos ser realistas. Há uma prevalência de um “hard-power” a-valorativo que nos obriga a assumirmo-nos como uma potência. A aproveitar os recursos que já existem na Europa e que temos – muito por ilusões em que acreditávamos – adormecidos. Sabemos que o mundo já não se guia por uma lógica de expansão territorial; porém, Trump, não sabe, não percebe e desconhece, em absoluto, qualquer sentido de devir Histórico que não seja, como agora se diz, “transacional” (e, por conseguinte, a-valorativo). O pior é que Putin e, discreta e moderadamente, Xi-Jiping, também pensam assim ou convém-lhes que Trump pense assim. Trump está, na prática, com a sua posição errática e irrealista (e, sobretudo, pouco ou nada estratégica, a médio prazo) a hipotecar o papel natural dos Estados-Unidos, na ordem internacional. Ordem e papel esses que os próprios Estados-Unidos construíram: líder do mundo ocidental, livre e democrático, em concorrência com outras potências de outros quadrantes. Com isso, dará uma vitória, “na secretaria”, à Rússia de Putin que, em 3 anos, não a conseguiu, no terreno. Acabará por encaminhar os Estados-Unidos para o declínio geopolítico definitivo. Porque a Rússia de Putin e a China, nesse campeonato sem referências valorativas, serão muito mais capazes de suplantar a América de Trump, do que o contrário! Desde logo, porque Rússia e a China não conhecem os condicionalismos da democracia e o engulho de eleições! Trump pode também tentar desconhecer, mas o povo americano e as respetivas Instituições, ainda assim, vão conhecendo.
Por isso, é fundamental rearmar a Europa ou estarmos em estado de “Prontidão”. Se o fizermos, talvez em 2030 - mesmo na linguagem da força que as “velhas” potencias territoriais conhecem - a Europa possa vir a ser mais “potência” do que os Estados-Unidos, pelo menos, em termos de influência. Por este andar, a América de Trump será apenas influente, a prazo, na “formatação cultural”, via língua falada e “Canal Disney”. Arrisca-se a ser uma “potência Disney”, aos olhos do mundo.

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