A responsabilidade de todos
Escreve quem sabe
2021-06-29 às 06h00
Volta e meia, meia volta, surgem umas tendências nas nossas comunidades. Não só de moda, é certo, mas tendências que visam a chamada de atenção para algo, ou para alguém, e que nos fazem muitas vezes mudar de hábitos. Se bem que nos dias correntes uma das nossas grandes inclinações tenha sido voltada para a bola, mantêm-se em voga as correntes direcionadas para a exploração do eu, do autoconhecimento, da autoestima, etc. O foco tem sido mantido na psiquiatria e na saúde mental e, em parte, nas neurociências: ainda bem que assim é, ainda existe muito para fazer.
Nos últimos anos tenho andado a estudar a história da psiquiatria e da saúde mental. Descubro coisas muito interessantes, especialmente quando mantenho uma disposição livre para aceitar que há determinados factos que não podem ser mudados – assim é a História. O primeiro hospital psiquiátrico do país foi aberto em 1848, em Lisboa, tendo-lhe sido colocado o nome de Hospital de Rilhafoles. Nesse espaço, na transição do século XIX para o século XX, trabalhou um psiquiatra bastante conhecido da população portuguesa, Miguel Bombarda, cujo nome foi utilizado para a mudança da nomenclatura de Rilhafoles. Em 1883 foi inaugurado o Hospital de Alienados do Conde de Ferreira, no Porto, cujo diretor clínico à época, António Maria de Sena, foi uma das pessoas de maior influência do desenvolvimento da psiquiatria no país, embora muitas vezes não lhe seja dado o devido destaque, com grande pena minha. Mas isso foram outras histórias, apesar de serem cenários que ainda hoje se mantêm como essenciais a abordar no panorama nacional, em especial devido ao exemplo da inovação que apresentaram para aquela época.
Das minhas andanças, tenho vindo a confirmar que a psiquiatria e a saúde mental têm sido os «parentes pobres» dos serviços de saúde. Foram sendo colocadas um pouco de lado, foram sendo escondidas certas situações, foram sendo adiadas outras. Aqui e ali, as notas de ação são reduzidas, quase residuais. Estou certa que, atualmente, as ordens religiosas hospitaleiras, e as suas casas, suportam parte da saúde neste contexto. O Programa Nacional de Saúde Mental tem sido um grande logro, simplesmente porque, na realidade, quase não existe. Pessoas de grande valor tentaram colocar alguns projetos e atividades desse Programa em ação e por isso reconheço-lhes todo o esforço e importância: um bem-haja a todas elas. No entanto, a nível político pouco se tem feito, pouco se tem adiantado, e a psiquiatria e a saúde mental mantêm-se, como sempre, marginais no sistema de saúde.
Existe um grande esquecimento que a mim, particularmente, me choca: o esquecimento da pessoa com doença mental, da pessoa que a) apresenta um problema de saúde, e por isso deve ser tratada como tal, e b) merece o reconhecimento das suas limitações, e por isso deve ser cuidada com dignidade. De forma semelhante, os profissionais de saúde que trabalham neste contexto são esquecidos. São poucos, trabalham muito, não são reconhecidos. Mais, há um escasso investimento na promoção da saúde mental ao nível comunitário, assim como igualmente existe um parco acompanhamento da pessoa com doença mental nessas circunstâncias: os profissionais de saúde, por mais que queiram, não conseguem chegar a toda a gente. Com uma agravante: chegou uma pandemia que requer a atenção desses cuidadores formais, e por isso as questões da psiquiatria e da saúde mental têm sido, mais uma vez, adiadas.
Até quando vamos manter esta delonga neste contexto da saúde? Na verdade, existem algumas vozes sonantes que não se têm vindo a calar, mas penso que é necessário mantermos, todos, uma boa dose de indignação pública para que as coisas sejam resolvidas. Se há dificuldades? Sim, como em todo o lado. Se há condições? É preciso melhorá-las, reforçá-las e inová-las, em particular no número de profissionais de saúde que trabalham na psiquiatria e na saúde mental. Se há futuro? Espero que sim, todavia com uma boa dose de esperança à mistura, assim como uma grande dose de trabalho e investimento. Não que seja adepta de entrar em grandes modas, mas esta é uma das tendências (difíceis) a manter, pois apresenta um sentido estratégico de promoção do bem-estar de todos e ainda daqueles que estarão por vir. Quem não gosta de um bom desafio?
19 Março 2024
18 Março 2024
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