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Que cobertura jornalística para os incêndios?

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Que cobertura jornalística para os incêndios?

Ideias

2024-07-22 às 06h00

Felisbela Lopes Felisbela Lopes

Ontem, a meio da tarde, os canais de informação começaram a encher os seus alinhamentos com um incêndio em Alcabideche. Abriram janelas para vários comentadores e deixaram sempre uma parte do ecrã com imagens de chamas. A pergunta é esta: que valor informativo tem tudo isso?
Um incêndio, sobretudo de grandes proporções, é notícia. Mas não tem de ser noticiado em permanência. Ora, em tempo de férias, com as fontes oficiais em atividade reduzida e com as redações centrais com menos jornalistas em serviço, abre-se um espaço/tempo considerável para as chamadas “outras notícias”, nomeadamente aquelas que ocorrem fora de Lisboa e do Porto, e aí os incêndios adquirem grande prioridade. Por várias razões: porque reúnem valores-notícia caros a um jornalismo em busca do interesse do público (dramatismo nos depoimentos e espetacularidade nas imagens), porque garantem material informativo a baixo custo (sobretudo para as televisões), porque ocupam delegações disponíveis para trabalhar a qualquer hora do dia e da noite, porque reproduzem uma noticiabilidade que se alimenta a ela própria. Muitas vezes com um grau mínimo de informação.

Ora, o problema é que estes conteúdos noticiosos não são inócuos. Diversos estudos têm chamado a atenção para o facto de uma hipermediatização dos incêndios motivar a ação de pirómanos que podem atear incêndios influenciados pelas imagens que veem e motivados para visualizarem mais. Tal constatação deveria impor limitações naquilo que se mostra e, acima de tudo, no tempo que para isso se disponibiliza.
Há alguns anos, os diretores dos diferentes canais de televisão promoveram um acordo que visava uma autorregulação para a cobertura jornalística dos incêndios. Não estava em causa silenciar nada. Apenas noticiar com algum equilíbrio. Esse consenso foi muito pontual. Cedo os canais de televisão foram denunciando o estabelecido. Os atropelos são diversos. Enunciemos alguns.
Centremo-nos nas fontes de informação. Quem detém informação credível sobre um incêndio em concreto? Um popular atemorizado com a proximidade do fogo? Uma vítima silenciosa? Um comandante dos bombeiros? Um autarca? Um dirigente associativo da área ambiental/florestal? Cada um destes interlocutores terá um ângulo, sem reunir certamente a complexidade de todo o acontecimento. Falemos também dos diretos. Um jornalista em antena aberta com uma frente de chamas atrás de si o que está a fazer? A colocar a sua vida em risco, a adensar o drama, a construir uma informação que certamente ali, em cenário de grande aflição, não possui. Muitas vezes é a partir da régie/ /redação ou de sites noticiosos que esse repórter vai recuperando parte daquilo que diz E isso reduz a importância em ali estar. O que não deixa de ser paradoxal.

Em contextos de grande competição entre empresas jornalísticas, como é o nosso, qualquer acordo de autorregulação nesta matéria é impossível. Também o poder político não quererá dar qualquer indicação a esse nível, porque teme acusações de manipulação da informação (todos sabem que a dimensão dos incêndios é o que mais contribui para desgastar os governos em tempo de silly season). Resta-nos, pois, um grande poder, o nosso, enquanto consumidores de informação. Está na nossa mão mudar de canal, fechar um site ou recusar ler jornais que sobredimensionem este tipo de acontecimentos.

Nos próximos dias, a temperatura vai subir (muito), o que aumenta exponencialmente o risco de incêndios. Ministério da Administração Interna, Proteção Civil, bombeiros e autarquias terão já os seus planos de ação preparados, incluindo os de comunicação. Nos média noticiosos, não haverá tal antecipação. A cobertura será avaliada dia-a-dia, condicionada por variáveis diversas: a agenda noticiosa, os meios disponíveis, as opções da concorrência. Tudo é sempre conjuntural. AM qualquer momento, as redações podem criar uma onda noticiosa sobre os incêndios que vai muito além daquilo que se passa ou, o mais dramático, intensifica as chamas em terreno fértil para a respetiva expansão. Ontem, a desistência de Joe Biden das presidenciais dos EUA desviou a atenção do incêndio de Alcabideche que subitamente viu a sua gravidade reduzir-se radicalmente. Não haverá muitos dias assim.

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