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Que presidente vamos ter?

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Que presidente vamos ter?

Ideias

2023-05-09 às 06h00

Jorge Cruz Jorge Cruz

Os acontecimentos políticos dos últimos dias, muito tristes por sinal, envolvendo Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, são a demonstração cabal da crescente degradação do ambiente político em Portugal. E não se pode afirmar inequivocamente que alguém esteja isento de culpas.
Neste caso concreto, parece-me perfeitamente óbvio que a responsabilidade cabe, quase por inteiro, a Marcelo. E por várias razões. Desde logo, porque se trata de um conceituado constitucionalista, consequentemente um profundo conhecedor das competências de cada um dos órgãos de soberania, não ignorando, por isso, as fronteiras de actuação de cada um.
Entre outras competências, que não são chamadas agora à colação, ao Presidente da República cabe exercer fiscalização sobre outros órgãos de soberania e garantir o regular funcionamento das instituições democráticas. Ora, neste diferendo com o Primeiro-ministro, não se me afigura que Marcelo tenha agido em conformidade com a nossa lei fundamental.
Fiscalizar o governo não é andar quase diariamente a narrar aos quatro ventos a história da carochinha, sustentando noticiários e animando comentadores e politólogos, com a ameaça da vinda do lobo mau. Pelo contrário, isso é contribuir para desregular o normal funcionamento das instituições, ou seja, o oposto das funções que estão cometidas a um Presidente da República.
Sejamos claros. Marcelo Rebelo de Sousa anda há meses a ameaçar com a “bomba atómica” e, de permeio, tem aproveitado para, de alguma forma, liderar a oposição ou, no mínimo, dar-lhe um empurrão.
A relação entre Marcelo e Costa sempre foi pautada por altos e baixos, mas tornou-se mais tensa, a partir da maioria absoluta obtida há pouco mais de um ano. A partir das últimas legislativas, o Presidente adoptou uma postura mais interventiva, assumindo críticas públicas ao governo socialista.
Numa actuação que seria consentânea com um regime presidencialista, que Portugal está longe de ser, Marcelo tem vindo a imiscuir-se na esfera estrita do governo, designadamente ao impulsionar a saída de ministros. Em simultâneo, ultimamente também não se tem coibido de tecer duras críticas públicas ao governo, protagonizando posições mais adequadas a um líder oposicionista. São disso exemplos os vocábulos “cansada” e “requentada” com que Marcelo recentemente brindou a maioria socialista e que, como seria expectável, fez as delícias da oposição e de muitos comentadores.
O Presidente da República não ignora, bem pelo contrário, que esta postura política constitui uma forte machadada na robustez da coabitação. Mas, também percebe que, em consequência, se revela como um gravíssimo factor de desestabilização e, nessa medida, contribui para desregular o normal funcionamento das instituições democráticas.
Se é um facto que as relações entre ambos já haviam conhecido melhores dias, creio que os acontecimentos da passada semana ficarão a marcar o início de um processo de ruptura, cuja conclusão é previsível, embora naturalmente se desconheça a data em que ocorrerá.
Independentemente das razões que possam assistir ao Presidente da República – e creio que poucos duvidarão que João Galamba é um ministro a prazo -, a verdade é que Marcelo não pode “despedir” um membro do governo e, muito menos, tentar fazê-lo usando a pressão da comunicação social.
Com total legitimidade, o Primeiro-ministro reagiu, e muito bem, recusando demitir o ministro, conforme Marcelo pretendia. António Costa fez questão de lembrar o óbvio, ou seja, que ele é o único responsável pelo governo, assumindo uma posição, não de força, como foi apelida por alguns, mas que tem muito de pedagógica, uma vez que sublinha as fronteiras de actuação de cada um dos titulares dos órgãos de soberania.
Será extremamente difícil saber como vão ser no futuro as relações entre ambos. O clima de altos e baixos, de relações por vezes atribuladas, ficou agora bastante mais áspero, mais exigente.
Numa comunicação ao país, na qual muitos ansiavam ouvir o anúncio da dissolução do parlamento, Marcelo limitou-se a endurecer o discurso, tecendo críticas severas a António Costa e ao seu governo, e ameaçando que a partir de agora irá exercer uma fiscalização apertada.
Em conclusão, Marcelo Rebelo de Sousa anunciou que vai executar as funções que lhe competem, em particular “uma das competências mais importantes do Presidente da República no dia-a-dia da vida do País (que) é o da fiscalização política da atividade legislativa dos outros órgãos de soberania”.
Creio que, de certo modo, este anúncio é extemporâneo uma vez que o actual Presidente já cumpriu dois anos do seu segundo mandato, exercendo desde início o seu múnus por inteiro, sem quaisquer condicionalismos. A não ser que Marcelo pretenda assumir agora uma postura mais condizente com a posição institucional que é expectável ser a do supremo magistrado da nação, mais recatada, deixando de se expor desnecessariamente como um vulgar comentador. A verdade é que as suas mais recentes declarações apontam nesse sentido.
Este fim de semana, em Londres, Marcelo recordou ter tido “uma fase” de vida durante a qual foi comentador, mas considerou que este não é o momento para o ser. “Esta é a fase de ser responsável político. Como disse, o último fusível de segurança político do sistema”, concluiu. Resta-nos esperar para ver.

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