Entre a vergonha e o medo
Ideias
2014-03-26 às 06h00
O estranho hábito de vivermos em comunidade, juntamente com a sua necessidade, dão origem a uma complexa rede de afinidades, ligações e poderosos contactos. Somos seres com urgência de relação, e o espaço da mesma ocorre na grande parte das diferentes facetas das nossas vidas. Reconhecemos as nossas ações nas ações do Outro, procuramos um comportamento que seja adequado e favorável ao desenvolvimento do comportamento desse mesmo Outro e, sem dúvida, é dentro da relação mencionada que alcançamos muitas das nossas realizações.
Ser com o Outro implica estabelecer partilha e laços (quiçá) afetivos e emocionais, colocar de nós e respeitar o que encontramos. Estar com o Outro sugere uma presença, um lugar contínuo com o Ser, em que somos envolvidos pela dinâmica da relação. Existe saúde quando existe relação - aliás, a própria saúde é promovida pelo estabelecimento da afetividade, envolvimento ativo e criação de vínculos.
Habitualmente, nas lides diárias e rotineiras não nos é possível, de forma consciente, conhecer a interligação entre um estilo de vida saudável e a manutenção das redes de família, amigos e pares, embora exista no nosso comportamento o reflexo do conhecimento da verdadeira importância destas redes. Afinal, tomamos como garantida a existência das mesmas, e não concebemos o dia-a-dia sem aqueles que fazem parte das nossas vidas. Talvez por comodismo. Talvez por algum egoísmo.
Ainda assim, devemos ter a compreensão de que estas redes, este estabelecimento de afetos, vínculos e proximidades são fatores promotores do desenvolvimento da nossa saúde, do nosso bem-estar e da nossa qualidade de vida. Mesmo que alguém, um de nós, se sinta ou esteja muito doente, tem a capacidade de compreender que, por possuir todas estas conexões e relações, consegue alcançar um estado de maior e melhor saúde, tanto a nível físico, como a nível espiritual e mental.
Ao nos estabelecermos como seres de relação, é fundamental um conhecimento de nós próprios, sólido e seguro, para que o eco que encontramos no que nos rodeia não nos agrida nem nos desiluda - são os grandes índices de tristeza, desapontamento e desilusão que nos levam muitas vezes a um estado de doença ou menor saúde. É necessário realismo neste autoconhecimento, tolerância (com relativização) e aceitação.
Ao sermos responsáveis pela nossa saúde e pela sua manutenção, somos de igual forma responsáveis pela criação de relações, de momentos de convívio, de diversão e de doação com partilha emocional. E ao querermos a manutenção dessa mesma saúde, vamos obtendo (muitas vezes de forma lenta e gradual) a intrusão do Outro nas nossas vidas, que nos ajuda à criação de hábitos salutares e sadios - como que uma espécie de higiene afetiva e emocional.
Neste momento podemos perguntar qual o papel da Enfermagem nesta responsabilidade individual - de origem coletiva - e quais os caminhos que a mesma poderá seguir para ajudar aquele que necessita de cuidados aos níveis abordados. Sim, porque igualmente a Enfermagem deve ter um papel ativo na promoção dos afetos e das relações, na prevenção de problemas sociais e na ajuda às diversas necessidades familiares. Somos, como Enfermagem, despertos para diversas horizontalidades, sendo possível recorrer aos profissionais desta área da saúde quando algo corre menos bem. Ou quando existe desequilíbrio. Ou até mesmo quando existe uma necessidade de partilha.
Somos, ainda como Enfermagem, privilegiados no momento de construção da relação, tanto com os sãos como com os enfermos, com os que se encontram em harmonia e com aqueles em que se manifesta um desequilíbrio, com os grupos e famílias, com o ser individual e com o Outro em geral. É-nos possível (e necessário) o manifesto deste privilégio, e a ajuda na construção de boas e completas relações, afetos e redes, com uma ligação emocional forte que dê origem a maiores e melhores estilos de vida saudáveis.
São os estranhos hábitos que nos possibilitam bastantes ganhos no âmbito da saúde. E são esses estranhos hábitos que nos permitem ainda ir mais além como pessoas, e no caso de alguns, igualmente como Enfermagem. Há que mantê-los - afinal, são as práticas inabituais que nos permitem a criatividade na sobrevivência, e a qualidade das nossas (inter)ligações.
13 Junho 2025
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