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Braga, quinta-feira

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Regionalizarão?

Entre a vergonha e o medo

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Regionalizarão?

Ideias

2019-12-10 às 06h00

João Marques João Marques

Desconfio do aparente consenso que recentemente se parece ter instalado na cena pública nacional a propósito da urgência da regionalização. Julgo, até, que na finura dos detalhes e das discussões sobre minudências, como orçamentos, sedes e eleições, teremos muito pano para as mangas de um tema que se assemelha a uma camisa de 11 varas.
Podemos e devemos discutir o problema da descentralização de poderes (e orçamentos) no contexto nacional e não nos devemos furtar a reconhecer a consagração constitucional das regiões administrativas (no art.º 236.º, n.º

1). Isso não impede, ainda assim, que se discuta o mérito de uma opção desenhada com base no pressuposto clássico dos três níveis de decisão: nacional, regional e local. “Conheces outro”, perguntarão? Em boa verdade, não, mas a realidade atual supera claramente o modelo estagnado de territórios pré-programados e, até, de países ensimesmados, veja-se o caso da UE.
Ao longo dos mais de 45 anos de democracia assistimos à desmultiplicação de entidades nacionais (como no setor empresarial do Estado: RTP, CP, CGD), regionais (Comissões de Coordenação Regional) e locais (Empresas Municipais) que tentaram prover por respostas setoriais e concretas aos problemas que a pesada máquina do Estado (leia-se Governo) e a reduzida flexibilidade que os instrumentos de gestão pública repetida- mente foram colocando.

O balanço que é possível fazer não será o mais positivo e conseguiremos encontrar na distância uma das principais razões para más opções quanto a problemas de comunidades que vivem afastadas dos centros de decisão. O princípio da subsidiariedade, que dita que é quem está mais perto das dificuldades que deve poder decidir como debelá-las, tem sido utilizado como um argumento fundamental na luta pela regionalização e os feitos do poder local, desde 1974, são dados como garantia de que um modelo assente nas regiões administrativas superará o atual e sincopado paradigma dual: governo e autarquias locais. Percebe-se o foco e o argumento, mas antes de entrarmos no comboio a alta velocidade das maravilhas da regionalização, convirá perguntar “o que falhou” para podermos perceber se serão as regiões a principal ou a única solução para não voltarmos a cair nos mesmos erros.
Concedo, é verdade, a excessiva centralização de decisões contribuiu para más decisões e condenou à irrelevância muitos dos anseios das populações residentes longe dos centros metropolitanos. Sucedo, porém, que quando olhamos para muitas das decisões do poder local, não são raros os casos de erros crassos e óbvios que nada ajudaram à causa mais ampla e profundamente defensável da descentralização. Braga foi o reflexo dessa bipolaridade entre boas e péssimas decisões. Reconhecer apostas certeiras e importantes no domínio dos serviços básicos à população não pode esconder a indesculpável sucessão de casos pouco abonatórios como o das piscinas olímpicas inacabadas, da Parceria Público-Privada dos sintéticos ou da aposta no betão como arquétipo de desenvolvimento.

Entre as imensas virtudes proclamadas da regionalização e a realidade menos lírica da sua concretização, haverá um meio termo mais consentâneo com a tradição portuguesa. E quando falo da tradição portuguesa, refiro-me à experiência dos governos civis (também eles previstos na Constituição), das comunidades intermunicipais e, até, das regiões autónomas. Haverá, portanto, que provar que os custos inerentes a uma nova estrutura intermédia de poder e decisão são superados pelo potencial de ganhos imediatos e mediatos para as comunidades.
Convirá, também, expurgar deste processo os fantasmas do regresso de dinossauros autárquicos (e não me refiro apenas ao caso bracarense, nem a um só partido) pela “porta do cavalo”. Queremos mesmo que eles liderem a revolução do futuro?

Será, ainda, prudente expor a todos os portugueses os argumentos em favor da legitimação democrática de quem vier a ocupar estes cargos. Parece um contrassenso o que sugiro, no entanto, num órgão que deveria velar pela harmonia orçamental e criação de soluções incompatíveis com a esfera da atuação local e nacional, a eleição por maioria, sendo democrática, instilará algum risco de desvio de missão em favor dos que mais podem e mais população congregam. E nem a eventual aposta no princípio “um concelho, um voto” será suficiente para evitar tais desvirtuações do modelo. É que a criação de maiorias de circunstância, suportadas por um conjunto de municípios contra outros, pode fazer perigar a visão estratégica, hoje, das CCDR e, amanhã, das Regiões. Dirão: “É a democracia”. Talvez concorde, mas é isso que se pretende para a regionalização?
Por ora, mantenho o ceticismo, preferindo a acusação de “velho do Restelo” do que a de cristão-novo das Regiões, mas “não nego à partida uma ciência que des[mer]eço”.

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