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Conta o Leitor

2016-07-13 às 06h00

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Érica Marques

Aqui, neste lugar, onde os muros dos campos eram, para mim, naquela altura, menino de sete anos, as muralhas de tantos mundos inventados, e as casas rústicas de três famílias, os castelos onde brincava com os meus irmãos, foi o lugar da minha infância onde despertei para a vida. Chorense, em Terras de Bouro, é a minha aldeia. Encosta granítica virada a poente com algumas terras de cultivo.

E hoje estou aqui de novo. Vim visitar-te, ribeiro de águas cristalinas. Vejo que ainda te revoltas nos longos invernos e quase desapareces nos dias estivais e calmos. És tu a alma deste povo trabalhador; choras com as suas lágrimas, mas também os refrescas e alegras. Os rebanhos de cabras e ovelhas continuam a pastar entre os verdes campos e as rochas escuras, recolhendo, ao fim da tarde, ao lugar de Chamoim.

E agora estou aqui, nesta aldeia, a recordar-me da minha infância e a regressar às minhas origens.
Quantas vezes brinquei à minha porta, junto a uma levada de água fresca que ia regar os campos e onde as mulheres lavavam a roupa. Às vezes, ia às castanhas vestindo um velho casaco e regressava com os bolsos cheios e com um sorriso de alegria.
O meu maior encanto eram as cerejas negras, tão doces e miudinhas. A minha mãe cozia no forno as broas e assava também maçãs.

O milho era levado para um dos vários moinhos que ladeavam o ribeiro. As mós rodavam durante toda a noite, fazendo a farinha branca como a neve.

Aquele ribeiro, com rãs e libelinhas azuis de vida efémera, fez-me crescer. Era lá que estudava, que me recordava de momentos passados. Escrevia músicas e fazia muitos desenhos, retratando as coisas mais importantes da minha vida. Fazia páginas de dedicatórias e era ali, junto ao ribeiro, que me conseguia abstrair de todas as situações menos agradáveis da vida. Passava horas a ver as rodas dos moinhos erguendo e despejando a água e olhava espantado para os altos eucaliptos, serenos ou agitados pelo vento.
Lembro-me de ver alguns pedintes de porta em porta, suplicando um pouco daquela comida que nós semeávamos e cultivávamos, aquela comida que nasce da terra e nos mata a fome, como se fosse um tesouro cheio de ouro.
Não havia luz elétrica; usávamos a candeia a petróleo, em casa e pelos caminhos. Recordo-me de ir pelo caminho do monte, carregando um carrinho de mão, onde levava lenha para acendermos a lareira à noite. A tal lareira onde todos, à hora da ceia, nos reuníamos, contando histórias e episódios passados da nossa vida. Também rezávamos ali.
A minha infância guarda os cheiros das uvas a serem pisadas, do pão saído do forno e do cheiro da azeitona a ferver no lagar. Foi uma infância povoada de sabores e de sons, como o sino da igreja a tocar para a missa e a contar as horas de vida de cada um, o som da chuva nas telhas de barro e o canto das pombas, melros e rouxinóis.
É um mundo de gente pobre.

Lembro-me desta gente de mãos calejadas e de rosto rugoso, por onde corre o suor. São as minhas irmãs e irmãos, que comigo brincavam. São os meus pais. Lembro-me de ver a minha mãe a fiar com fuso e roca a fazer lã para as nossas meias e camisolas, que usávamos no tempo frio, da nossa aldeia tão esquecida.

E agora, de novo no lugar que me viu nascer, tudo parecem memórias inesgotáveis e tudo está tão diferente! As pessoas já não são tantas como antigamente. Foram para a cidade à procura de trabalho e só restam alguns idosos, com cara de sofrimento e tristeza, nesta aldeia adormecida e quase desaparecida.Foi este o lugar que escolhi para, eternamente, ouvir o canto adocicado dos rouxinóis.
É aqui que jazerei, entre os odores e as brisas tão familiares. Será aqui.

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