Correio do Minho

Braga, sexta-feira

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Regressos

Entre a vergonha e o medo

Regressos

Ideias

2022-04-19 às 06h00

João Marques João Marques

À hora a que escrevo estas linhas ainda ecoam os rombos das explosões dos tradicionais foguetes da Páscoa. Os sonoros disparos que anunciam aos fiéis o regresso de Cristo, fazem-nos pensar que finalmente a normalidade parece ter dominado o estado das coisas e as notícias do vírus, se não são parte de um passado distante, também já não condicionam o presente.
A confirmar o ocaso da pandemia, as ruas cheias da cidade, onde milhares de turistas se acotovelam, demonstram o regresso a um tempo que parecia infinitamente distante.
Tanto melhor.
Sinal de ínfimo progresso no combate a um outro vírus que grassa desgraçadamente no leste da Europa, marcou-se no passado sábado o primeiro dia, desde o início da invasão russa, em que foram mais as pessoas que entraram do que aquelas que saíram do território da Ucrânia. O pequeno consolo marca um regresso que esperamos poder ser tão definitivo quanto a liberdade dessas pessoas o determinar.
Menos positivo parece ser o regresso da inflação como batuta da política nacional e internacional. Palavras que haviam caído em desuso, como deflação, entram-nos irrestritamente pela vida e ameaçam o errático trajeto de recuperação que o país conheceu desde 2014.
Talvez por isso se volte a discutir o tema da austeridade e das suas consequências para os orçamentos, os pessoais e os nacionais.
Como reflexo, na Assembleia da República, a reboque da discussão do Programa de Governo e do Orçamento para 2022, regressou a política e o que se viu não foi bonito.
Um Primeiro-Ministro a que sobra em soberba o que parece faltar em coragem (Cavaco dixit), pavoneou os resultados eleitorais para tentar enterrar ainda mais o PSD que, com um líder em estado gasoso, mais não faz do que pairar na atmosfera.
Regressaremos a velhos tempos em que o excessivo poder do PS corroeu as frágeis amarras em que se sustenta a democracia portuguesa? A pergunta é legítima e o temor não menos compreensível. É que nos esquecemos demasiadas vezes que os socialistas portugueses continuam a considerar-se ungidos pela divina (mas laica) república como seus guardiões originários e insubstituíveis. Um tal sentimento identitário, quando não mesmo proprietário, face ao “sistema” vigente tem a inevitável tendência para laçar a separação de poderes, tornando a diferença entre o legislativo e o executivo indistinta e fazendo perigar os mecanismos que asseguram que o poder judicial por eles não é contaminado.
Para os próximos quatro anos e meio espera-se, melhor, desespera-se por um robustecimento da alternativa ao partido glutão do sistema. Desespera-se por quem queira valorizar e não colonizar a função pública; desespera-se por quem veja nos portugueses cidadãos e não clientes do Estado; desespera-se por quem não se contente com um pântano menos lodoso e prefira águas abertas. Desespera-se por ambição e coragem em tempos que são consabidamente difíceis e indutores das maiores cautelas.
Se queremos regressar a um patamar europeu mais próximo da média e largar a cauda dos 27 não podemos, contudo, ter medo da nossa própria sombra crendo e querendo que o Estado sirva de mero protetor do nosso reduto económico essencial.
Veremos se essa ousadia se cria, se amplia e se constrói em torno de uma ideia de país que rompa definitivamente com o lastro da ditadura, mas também que se aparte dos medos do regresso a esse tempo. De tanto olhar para trás, o país parece ter-se esquecido que só anda solidamente em frente quem tem à vista o horizonte.
Voltando a Braga, há que valorizar o regresso das iniciativas camarárias de “reforma” do concelho.
Assiste-se a um empenhado esforço na descarbonização, a qual passa pela aposta cada vez mais notória e irreversível na “ciclificação” das vias, bem como na renovação da frota dos transportes urbanos, substituindo as velhas viaturas por novos autocarros, amigos do ambiente e da eficiência energética.
A reconversão do eixo estratégico das Infias parece agora entrar nos trilhos, comprometendo-se a autarquia com uma revolução naquele local, até 2024, esperando-se que os problemas que se vêm agravando há algumas décadas possam ser fortemente minorados.
Finamente, sobre regressos, aponto o de Amélia Morais. A icónica figura que marcou um protótipo de adepto diferente e singularmente bracarense deixou-nos na passada semana. O seu legado de entrega ao clube da cidade e a “revolução” de ter alguém, mulher e de proveta idade, como imagem do fervor adepto quebrou barreiras, humanizou o futebol e contribuiu inegavelmente para a modernização do desporto em Braga. Sem o projetar ou querer fazer, “Mélinha” virou-nos do avesso e fez-nos questionar o papel do adepto, escarrapachando-nos na cara o preconceito bacoco que muitos de nós teriam ao ver uma “avozinha” naqueles preparos e com aquele andamento. Ainda agora partiu e já se anuncia o seu regresso por mérito de uma proposta louvável do município de conceder o seu nome a uma rua da cidade, próxima do estádio que religiosamente frequentava. Um verdadeiro e merecido até sempre.

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