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‘Rentrée’ afegã, com a Europa a olhar...

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‘Rentrée’ afegã, com a Europa a olhar...

Ideias

2021-09-04 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

Dizer que as coisas, muitas coisas, já não são o que eram, começa a ser um lugar comum. Provavelmente, tem a ver com a nossa incapacidade de acompanhamento, em tempo real, do mundo em evolução.
A mudança rápida, constante e, por vezes, disruptiva é, hoje em dia, o “modo normal” de vida. Da vida coletiva, das sociedades, dos Estados, mas também, consequentemente, com maior ou menor resistência, das nossas vidas individuais! Por isso, talvez seja inevitável esta sensação de que as “rentrées”, assim como as já inexistentes “silly seasons” (antigamente, eram o mês de agosto), já não são o que eram; já não existem como antigamente! E, note-se, já nem me refiro à pandemia que ainda nos condiciona, nem às suas consequências. Foco-me, por exemplo, apenas num caso que tem ocupado a atenção de todo o mundo: a retirada dos EUA do Afeganistão. “Estragou”, desde logo, uma hipotética “silly season” de outrora.

No entanto, o facto é que as coisas estavam a ser planeadas e negociadas desde o mandato de Trump (desde 2018). Todos – sobretudo, os EUA e a União Europeia - tivemos tempo para nos habituarmos à ideia. Para antecipar as consequências, assim como uma possível alteração de posicionamentos geoestratégicos naquela conturbada zona do planeta. Mas só tomamos consciência do que aconteceu, poucos dias antes de 31 de agosto quando a imprensa nos começou a trazer imagens e informação sobre os últimos dias norte-americanos no Afeganistão.

Claro que existiram imprevistos, coisas impensáveis que, no fundo, justificam a nossa “distração”. Tenho, para mim, agora e com a informação (cruzada) que vou recolhendo de vários órgãos de comunicação social, nacionais e estrangeiros, que houve, desde logo, uma notória e perigosa incompetência dos serviços e da administração norte-americanas. Foram incapazes de antecipar todas as consequências advenientes de uma retirada como aquela que foi feita. Chegaram a avançar com a data de 11 de setembro para se concretizar a retirada, porém, porque não acreditavam no avanço rápido dos talibãs sobre Cabul, a administração Biden antecipou (?) para 31 de agosto tal data! Demonstraram que, apesar de uma inicial ocupação e subsequente permanência durante 20 anos, nunca conheceram o terreno afegão.

Por exemplo, não tomaram em consideração que as ações militares talibãs só são empreendidas no Verão e na Primavera. Nunca perceberam que a fuga e a vacuidade (em termos de poder) do anterior governo afegão, resultava de uma não adesão à pretensa ordem (não) estabelecida, por parte da população. Não compreenderam que o Afeganistão não é um estado à moda dos estados ocidentais, mais ou menos liberais. Não perceberam que os Talibãs, por definição e pelos seus próprios objetivos existenciais, não se preocupam com os meios, desde que estes sirvam para cumprir a respetiva missão, ou seja, alcançarem os seus fins. Mentir, dissimular pode ser uma questão de obrigação se tal for necessário para se concretizarem os objetivos decalcados de uma cosmovisão que tem raízes no século XVIII (inspirada por uma visão mais radical do Islamismo, formulada a partir do originariamente Islamismo Deobandi).

Enfim, neste episódio dramático (a retirada), os EUA enquanto potencia guardiã e defensora dos direitos humanos, não se mostraram serem de confiança!
E a União Europeia?
A UE, com o seu silencio (ou, se quisermos, voz, “achegas” irrelevantes, neste caso), sublinhou, em termos de integração, a necessidade de se avançar para uma efetiva política de defesa comum (uma das possíveis linhas de aprofundamento da integração). Não apenas na criação e desenvolvimento de um mercado interno relacionado com a indústria da defesa (cujos primeiros passos estão já em marcha), mas numa efetiva política europeia de defesa.
Não basta, no dia a dia político da integração, estarmos a discutir os “valores da Europa”, o “modo de vida europeu”, assim como pequenas irrelevâncias folclóricas internas (“o sexo dos anjos”), quando, nas nossas portas, os reposicionamentos geopolíticos (China e Rússia a caminho do Paquistão e do Afeganistão) podem, na melhor das hipóteses, colocar a União, precisamente em termos de valores e “modo de vida”, numa posição de recheio de sandwich, pronto a ser engolido por quem não só não conhece, como rejeita, armada e violentamente, esse europeu “way of life “!
Devemos ser realistas e consequentes, para continuarmos a ser europeus...

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