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Automatocracia

Ideias

2015-05-25 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Nenhuma razão vital determina que cresçamos bracarenses ou vitorianos, águias, lagartos, ou tripeiros. Sê-lo-emos por simpatia doméstica, ou em antagonismo com um progenitor, por código de grupo, ou para vincar afrontosamente uma diferença. Simples escolha pessoal, como bem sabemos, cimentada por títulos sucessivos e épocas fenomenais, ou por feito singular que perdure à espera de reedição. Saia esta crónica a tempo de expressar boa-sorte ao Braga, e aqui ficam as aspirações de jornada gloriosa. Porém, serve o intróito mais como termo de comparação, que pouco dado sou a expedições desportivas, embora tenha por esplêndidos os tempos em que modestamente servi o Sporting de Braga. E pudessem tais anos repetir-se!

Comparação, pois então. Ouso comparar opções clubísticas, que relevam duma emotividade primitiva, a exortações de cunho universitário que outros consagram à condução da Economia e Finanças, da política em geral. Assim, insistem uns, que as vias políticas perseguidas responderão a imperativos orçamentais, que os orçamentos estarão reféns dos mercados financeiros, assumidos como frios e impessoais, como cidadelas inabaláveis. Dirão, outros, que o capital financeiro ou mexe ou morre, que a Economia é súbdita da Política e da vantagem colectiva - não o inverso -, e que o recuo reverencial ante o primado do interesse económico é apanágio de estadista conivente ou acobardado.

Dar-se-á o caso de uns saberem do que falam, e de outros - quais aprendizes de feiticeiro - se permitirem dizer tudo o que lhes passe pela ideia, sem a menor ponderação, totalmente ao arrepio do que é factual? Não estará Tsipras irreconhecível, dirão? Mas a falácia é exactamente essa: Tsipras e Varoufakis jamais levariam água a seu moinho. O David que derrota Golias é peça de relato mítico, da mesma narrativa que cria a mulher de falsa costela do homem, muito embora Davides sejamos todos nós, à escala individual e à escala de Estados, sendo que, concertados, todos, outras possibilidades se desenhariam.

Papel não gera papel, vale dizer, que só se reproduz o capital por intermédio do esforço dos indivíduos e pelas cauções políticas que lhe sejam prestadas. De freio nos dentes, cavalgará o capital para o dividendo máximo, quer se afundem estados ou morram de exaustão gentes anónimas pelo caminho. Peado, por outro lado, aceitará o capital o rendimento que lhe for consignado, até porque mais não tenha onde efectivamente se acoitar.

Há académicos notáveis de um e de outro lado, cópia de discussão acesa de bola em que uns vêm rasteira e outros vergonhosa simulação, em que de um lado se atesta mão na bola e de outro bola na mão. É triste, mas nenhuma versão ou capítulo da Ciência Económica é filho legítimo da Verdade. Tempos recordo, a propósito, em que para rigorosos exames tanto lia o que me era caro, próprio da psicologia e disciplinas afins, como o que remetia para a formação ideológica, autores entre os quais Engels e Marx, Lenine a rodos, e materiais laudatórios dos congressos do PCUS.

Citarei de cor, mas, dos manuscritos económicos de Marx, julgo recordar uma frase emblemática: aquele que não conhece a História está condenado a revivê-la! Respondamos, por conseguinte, a simples questão: a crise que atravessámos - e que alguns prolongam para mais uma dezena ou vintena de anos -, devemo-la a uma aplicação desmiolada do capital em favor da sociedade e do bem comum, ou aos desvarios solipsistas da banca, à itinerância fluida e sem controlo dos fundos de investimento, à contabilidade criativa, à fuga massiva aos impostos bem do alto apadrinhada?

Adormecem-nos com sermões sobre a racionalidade do capital, com fórmulas juradas de auto-regulação. Insiste-se, com capciosa boa-fé, que toda a intervenção estatal é perniciosa, que mais sofremos nós sob a égide de governos intervencionistas, do que sob os congéneres liberais... Mas é tudo fita, não é?

Falam-nos da imanência do capital, e da bondade dos mercados, como aos nossos avós propagandeavam a providência divina e a recompensa dos justos. No meio tempo, aumenta a desproporção na distribuição da riqueza. Governos afeitos ao papel de ama-seca de tão rechonchudo bebé, atestam que sem banca pujante esmorecem os estados e definham os cidadãos: e sem cidadãos saudáveis, de corpo e espírito, sem famílias estáveis e confiantes, floresce o quê? E nem se trata de advogar nacionalizações selvagens ou confiscos a torto e a direito. Bastava-nos uma boa social-democracia, erigido o Homem a valor e a unidade a potenciar. Mas, quando nem isso nos oferecem, de que resposta estão à espera da nossa parte?

Comer e calar? Ou nem comer, mas em todo o caso calar? É dado como indesmentível que o Papa João Paulo II teria sido um dos principais coveiros do comunismo. Dizia Raul Castro, há dias, que a continuar o Papa Francisco com intervenções como as que vinha fazendo, e seria ele quem se reaproximaria da Igreja Católica. Talvez esteja para breve o fim do capitalismo tal como o conhecemos. Pelo sim pelo não, tenho já uma garrafa de champanhe no frigorífico. Ruinart, que não farei a coisa por menos!

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