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Ronaldando

O preço da transparência

Ideias

2018-09-02 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

E Temos amigos com quem concordamos, e outros com os quais perdemos paciências e fazemos gala de entrar em desacordo. Eu assim tenho um amigo que detesta o Ronaldo, e que acha que o pontapé de bicicleta não foi nada por aí além. Eu discordo, e ele não me dá a mínima. Não me passa pela cabeça atestar que este meu amigo seja uma personagem real, tudo ao invés da figura de estilo do jovem que, estando a banhos, fez perguntas de teor político ao nosso anfíbio presidente, pilhando-o em maré de respostas profundas em águas rasas.
Falo de futebol, para retomar as crónicas no cais onde ancorei por finais de Junho. Passei o Verão a reunir apontamentos, mentalmente, para dar uns apertos de chave-de-bocas em políticos e políticas que nos calcam os calos, mas tudo me parece sem sal. Só para referir: que interessa deitar um olhinho à ala pediátrica do São João, se ministro inglório repete silogismos sem nexo, a reboque da voz entaramelada do Costa ou do Centeno? De que adianta falar de comboios descarrilados, porque havia que mudar as agulhas aos comunas da Sorefame, ainda que por acção de uns e de outros o interesse nacional acabasse por divergir para ramal de travessas bambas? E a lata dos cê-dê-esseiros! É de antologia! Já não me lembro das do Rio, e de quem lhe desafia a liderança, que é trupe desen- ganada, embora tenham que fazer o número e bater prova de vida.
Teria sido bonito, ver o Ronaldo de merengue até à derradeira surtida em campo, não porque os madrilistas o mereçam em particular, apenas por poética amorosa e para um acúmulo irrepetível de feitos que o perdurasse na História, muito para lá da dissolução do Real ou do eclipse do Futebol. Mas tanto se conciliou para que os ares do Santiago Bernabéu se lhe volvessem irrespiráveis.
Partiu, Ronaldo, com a ilusão de uma certidão de nascimento traficada, como se fosse moço para dez anos mais novo, reexportado das Espanhas, como anteriormente das Ilhas Britânicas, pujante, com tudo para ganhar e com todos os sentidos e apetites aguçados. Não o é, lamentavelmente. Possa ele fazer um brilharete florentino, ao menos. Possa ele iludir a fogueira que consumiu Savonarola, possa o espírito de Maquiavel velar sobre ele, e fazê-lo fulgurante em embate que cobertura merengue azede.
Espero que Ronaldo possa brilhar mais do que o Real. Não será fácil, e acrescento que só despertei para este desejo infantil quando vi a subtil mudança de layout das camisolas do Real, não sei se para este ano, ou se para o jogo da supertaça, apenas, para esse primeiro grande embate oficial da era DR, que os pupilos de Lopetegui perderam para os colchoneros. Tão-pouco sei se a mistura de fontes no lettering é estratagema que já outros tivessem tentado. Pareceu-me golpe psicológico, mais do que lampejo de marketing. Uma simples letrinha com rabioscas, no meio de letras a direito, uma camisola igual, mas diferente, uma cota de malha envergada, nunca igual pelo ídolo olím- pico, libertado por arco simétrico ao do triunfo.
Movo-me num universo alheio aos acasos, aos ajustes estéticos sem razão de maior. O Real sabia que precisava de mudar de imagem, para que o espectro do nosso compatriota pesasse o menos possível, para que o seu efeito mágico se diluísse ao primeiro teste. Não o conseguiram, e o fantasma terá tendência a ressurgir, e nem Lopetegui é mago que espírito pesado exor- cise.
De um amor feito mau, recuperam os dois com fragilidades e defeitos. Quanto ao Real, pois que se dane. Quanto ao Ronaldo, bem, não dou por perdido que ainda possa cintilar, embora, na velha Grécia, tivesse já lugar entre Hércules e Aquiles. Quanto ao meu amigo: não sei se o convenço. É testa dura, para a minha palavra mole.

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