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Rumo ao sol ou como desenhar mapas em dialetos

Arte, cultura e tecnologia, uma simbiose perfeita no AEPL

Rumo ao sol ou como desenhar mapas em dialetos

Voz aos Escritores

2024-07-06 às 06h00

Fabíola Lopes Fabíola Lopes

O ano letivo acabara. Exigente, como cinco exames para o acesso ao ensino superior podem ser, o degrau seguinte no caminho que se quer maior. Essa incógnita de futuro ali à frente, a conseguir ser cheirado, quase tocado. Tudo concentrado em dias, a definição das escolhas, um corpo chamado futuro, preenchido a cinzento-nuvem, jogado num puzzle de apostas onde também entravam o Francês e o Alemão.
A cada escolha, algo que se perde, que se fecha, que fica pelo caminho. Sem arrependimentos. Soube desde o 5º ano que queria ser professora de Inglês, essa língua de sotaque engraçado que fazia parecer, aos meus olhos com dez anos, mais inteligente quem se expressava através dela. Língua prática, objetiva, sem peneiras.
Por isso a escolha nem perspetivava o que ficava para trás. Era antes um alívio deixar cair os empecilhos, as perdas de tempo, as matérias mal-amadas. Era aquilo e só aquilo que queria. E por isso todo o empenho e trabalho e leitura e estudo.
Tínhamos planeado umas férias de carro pela costa portuguesa. Com orçamento disponível reduzido, subtraímos o possível das despensas familiares. Escolhemos os parques de campismo, os lugares a visitar ou conhecer, as aventuras pré-definidas que incluíram ver o pôr-do-sol em Sagres.
Lembro-me de adormecer, dormir o sono dos justos com o cansaço acumulado dos últimos meses, sempre que entrava no carro e sem lhe dar tempo de atravessar sequer o portão de saída do parque em questão. Fosse ele qual fosse. Perdi, certamente, muitas paisagens, mas ainda assim ganhei muitos horizontes novos, desvendei terras virgens para o meu olhar, como um segundo nascimento, um parto para o mundo sem a autoridade parental ou familiar por perto.
Criámos mapas com roteiros num dialeto muito nosso, aumentado pelos inesperados que nos obrigaram a decisões sem conselho. Respirámos uma independência ilusória, era apenas um leve cheiro a liberdade, não havia telemóveis nem localizadores, nem ninguém conhecido num raio de mais de 100 quilómetros. Independência é outra coisa, descobri mais tarde, no correr desse caminho que levou a outro e depois a outro. É a palavra mais cara que conheço.
Agora, depois de uma primeira época de exames aparentemente bem-sucedida e igualmente cansativa, é a filha cá deste burgo quem rumará atrás de um qualquer pôr-do-sol, com um grupo de amigos, que lhe acrescentará, certamente, horizontes novos.
Mapas de identidade que começará a desenhar a traço fino e que ficarão preenchidos, para já, com as cores do fogo. Em brasa.
Engraçado como a vida é feita de pequenos nadas, tantas vezes degraus num caminho amplo, como um ciclo que se repete com pessoas diferentes. Perpetua-se, geração após geração, por muita modernidade e tecnologia que haja.
Ou como tenho cravado numa tira de madeira na parede da minha sala:
Todas as casas são lugares de partir e de chegar.

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