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Ruína por valor

Analogias outonais

Ruína por valor

Ideias

2024-09-15 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Cada bomba que cai é dinheiro perdido, é progresso comprometido. Prejuízo, aliás, que começa na prancheta do projectista, na aspiração de supremacia do governante que passa a encomenda, assim crendo que suplanta o que faz sombra a partir da terra ao lado.
Que espécie de progresso é este que conhecemos? Que raça de selvajaria nos anima, sendo que ninguém ponha em dúvida o imaculado de quanto trás nas intenções? Domingo passado, durante uma manifestaç?o em favor da Palestina, um orador apela à intifada em Paris. Nada mais emblemático do que decorrer o comício na Praça da Naç?o. Naç?o que por si implica congruência entre grupos, a menorização de identidades subsidiárias, ante a primazia da unidade nacional, quais sejam os grupos étnicos que a integrem, os credos religiosos que professem.

Apelo à intifada que cai automaticamente no quadro dos crimes de ódio, mas que tanto demoraram as autoridades a reagir. Apelo à intifada que um só significado tem – o do ataque aos judeus e, por arrastamento, a todos os n?o muçulmanos, ou de dias recentes n?o nos venha a redução a escombros a igreja de Saint-Omer por fogo-posto. Digo eu que quem o tenha feito seja adepto do islão, e religiosa tenham sido as suas fundamentações? Não! Mas facto é que não há memória de ocorrências similares em espaços de culto muçulmanos, o que nos deve interpelar.
Endurece na Alemanha a atitude para com os imigrantes, pelos assassinatos recentes, pelo crescimento da AfD. Desenraizados, eis o que são os imigrantes que tanta perturbação causam. Homens e mulheres a quem servimos o caos, como contrapartida ao nosso avanço civilizacional, e assim foi no Iraque, na Líbia, na Síria, cinicamente na Ucrânia, como pedra de fecho de benfazeres.

Digo «nós», embora nem eu nem o meu leitor tenhamos parte activa nessas façanhas. Mas digo «nós», na exacta medida em que tanta vez nos deixamos ludibriar por algum agentezinho do poder, por algum aprendiz de líder que caucionamos com o nosso aplauso. Senão vejamos: se em França, Bélgica, Alemanha, Reino Unido, há manifestamente um problema de comunitarismo, de afrontamento entre populações provindas e ancestrais, esse não é felizmente o caso de Portugal. Assim, que sentido tem a reivindicação de um referendo à imigração como ponto prévio do voto em favor do orçamento? Mais, por que logro farisaico entra em igreja o mesmo dirigente político, em hora de campanha eleitoral de rua? Para que se diga «ai que piedoso ele é»?

Convenço-me que estamos em vias de acordar de um devaneio, que por um destes dias nos vejamos a recitar por empréstimo um «minha culpa, minha máxima culpa». Convenço-me, porque não seja possível continuar como estamos. No caso português, pelo que sabemos, sofrem os imigrantes acima do sofrimento que acarretam. Sofrem, os imigrantes, porque em justa medida bem sofram os nacionais por tudo em que o Estado falha por demissão sistemática de governantes que botar figura, de governantes que jamais se veriam laureados com o óscar de actor principal.

O modelo económico vigente não serve as populações. Os avanços, se os há, não geram bem-estar partilhado. É insultuoso que alguém disponha de recursos para se aventurar no vazio para lá do firmamento visível, quando milhões de pessoas não dispõe de acesso a água potável. É insultuoso que alguém progrida ao ponto de, a título pessoal, poder fazer o que muitos estados soberanos não têm a capacidade de realizar. Está tudo trocado, e a democracia não pode ser isto, não pode ser uma fachada, uma liberdade de voto e consciência, esquecida a oportunidade e o direito à auto-realização.

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