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“Só a palavra exacta tem utilidade pública”

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“Só a palavra exacta tem utilidade pública”

Ideias

2020-06-29 às 06h00

Filipe Fontes Filipe Fontes

Não estamos todos nós sedentos de coisa diferente?
Terminou assim o último texto, numa pergunta que encerra tanto de desafio quanto de constatação: afinal, somos muito exigentes e voluntaristas na afirmação da necessidade da mudança, seja reforma ou revolução, efémera ou perene, pequena ou grande na sua causa e efeito. Mas (também) afinal, somos muito previsíveis e conservadores na hora da mudança e de sentir os seus efeitos, seja no esforço que exige, seja na dor que implica, tantas vezes, sem resistência para aguentar e aguardar que a bonança chegue. E, com ela, o efeito positivo e transformador. E a evidência de que todo o esforço e dor “valeram toda a pena e todas as lágrimas vertidas”.
Por isso mesmo, nunca como hoje, num momento único e singular de exigência e partilha, foi tão importante a liderança e a capacidade de ler, entender e transformar as cidades. Porque, mais do que ideias e projectos, caminhos por definir e percorrer, métodos por transformar e, verdadeiramente, espaço urbano por qualificar e incrementar – na verdade, muito já se reflectiu e analisou, estudou e desenhou, aprofundou e decidiu – é importante actuar e concretizar, aproveitando o momento (porque todo o momento é oportunidade no sentido de que gera tempo para tal…) de fazer tudo aquilo que se evidencia ainda de forma mais impactante, visível e clara.
Não sou daqueles que acreditam que tudo é uma boa oportunidade. Pelo contrário! Há momentos em que os efeitos são tão nefastos que mais não desejaríamos que, simplesmente, não tivessem ocorrido. Mas reconheço que este tempo “covidiano” trouxe um olhar mais limpo e distante da(s) cidade(s). E que persiste muito por fazer. E que muito do que foi identificado… afinal, tem, de facto, potencial e um fim bom e justo para todos nós (realidade esta que, talvez, no campo da mobilidade e ambiente urbano se mostra protagonista mor!).
Porque, como escreveu Thomas Bernhard “quanto mais bela é uma cidade na aparência, mais constrangedor se torna descobrir a verdadeira cara que se esconde por detrás da sua fachada”. E, na verdade, na leitura que fazemos das nossas “cidades”, descobrimos que a qualidade do ar, afinal, está muito longe do que pode ser e que, na realidade, a sua limpidez é uma mais-valia para a qualidade do que avistamos, do que respiramos, do tempo que passamos no exterior; descobrimos que muitas das ruas e praças sem carros encerram espaço público tão belo quanto inapropriável (porque sempre ocupado “indevidamente”) e que, afinal (sinaliza-se o uso recorrente – neste texto – da palavra “afinal”, numa constatação de que o tempo é, de facto, de leitura e evidência, de confronto e de surpresa perante a realidade que foi gerada…), o espaço que é de todos nós (e que tantas vezes reclamamos pela sua aparente pequenez) é tão mais vantajoso do ponto de vista espacial e de área; descobrimos o património anónimo, quotidianamente presente na vida urbana, e tão esquecido porque cheio de “barreiras visuais”; e descobrimos tantas outras “coisas”… que podem ser realidade assim haja coragem e exigência para mudar, reformar ou romper.
Para tal, e antes de qualquer “outra coisa”, é necessário que se fale e dialogue para priorizar, concertar e actuar. E que, nesse diálogo, se use a palavra exacta. Porque, com disse o poeta (Eugénio de Andrade “só a palavra exacta é de utilidade pública).
Sei, sabemos, que nada se faz ou resolve como se um passo de magia se tratasse. Sei, sabemos, que tudo demora tempo, por vezes, tempo longo. Mas, sem dúvida, que sei e sabemos que urge começar e não regressar. Adiar por omissão nunca foi omissão. Muito menos sinal de esperança!
Permitam-me terminar como uma nota complementar: num momento tão difícil quanto complexo, a Ordem dos Arquitectos vive o seu acto eleitoral mais concorrido de sempre, apresentando-se quatro listas concorrentes, numa reunião e envolvimento directos de várias centenas de arquitectos (que se disponibilizam para dirigir e gerir a vida comum de todos os arquitectos).
Também aqui o tempo é de falar claro e verdade para que o arquitecto – actor fundamental na construção e transformação do território, criador de cultura e elo social tão, progressivamente, generalizado na sociedade portuguesa – possa exercer a sua função e o seu dever de forma, cada vez mais, justa e aprofundada, reconhecida e assertiva, de interesse público e para o bem público!
Por isso, deseja-se que, deste acto electivo, resulte uma ordem presente e próxima, feita de mim e de ti, num compromisso de proximidade da arquitectura com a sociedade que, de facto, só lá vai com todos!
E, como todos juntos, recorrendo à palavra exacta do poeta – a única de utilidade e interesse públicos – acreditemos no dia de amanhã feito de “coisa melhor” sabiamente começada no tempo que vivemos!

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