Um batizado especial
Ideias
2014-05-04 às 06h00
Quando hoje à noite o primeiro-ministro anunciar a forma como abandonaremos o resgate financeiros a que fomos submetidos, o que dirá não será propriamente uma novidade. Entre sexta-feira e hoje, muitos apresentaram já a novidade.
“Um só programa”, “um só resgate”, “missão cumprida”: eis algumas expressões que o vice-primeiro ministro Paulo Portas utilizou 6ª feira para fazer o balanço da 12ª e última avaliação da troika. Esta posição tem como pressuposto uma saída limpa. Apenas.
Ontem, o Expresso garantia, em manchete, que “Passos anuncia saída limpa..., mas tem cautelar de reserva”. A fonte desta notícia era “um documento confidencial” no qual se escreve a bold o seguinte: “existindo uma saída limpa, em caso de necessidade futura o programa cautelar continuará disponível”.
Na mesma peça jornalística, dois governantes que não quiseram ser identificados reconheciam que Portugal apenas pode fazer pressão moral sobre os credores, se alguma coisa correr mal. Isto porque, reconhece-se agora, os países do norte da Europa não são particularmente sensíveis a ajudas suplementares que impliquem transferências de dinheiro para países já financiados num passado muito recente.
Isto poderia não ser particularmente preocupante, se houvesse sinais de um país em desenvolvimento. Não é o caso de Portugal. Ontem o Público relembrava os mais de 800 mil desempregados, 500 mil dos quais de longa duração. Neste grupo integra-se uma fatia substancial de jovens que, terminados os estudos, não têm qualquer perspetiva de independência financeira.
Apesar do anunciado alívio nos cortes dos ordenados da função pública e das pensões, o certo é que todos nós sentimos que vivemos pior do que há meia dúzia de anos e podemos estar certos de que tão cedo não recuperaremos o fôlego orçamental que já tivemos. A economia também não apresenta indícios de uma clara recuperação.
Ontem a imprensa explicava que o Documento de Estratégia Orçamental foi construído não com base em medidas estruturantes para o país que queremos ser, mas em determinados valores para os quais se definiram medidas. Construiu-se uma espécie de puzzle onde as peças foram encaixando conforme a habilidade do respetivo construtor.
Ora, um país não é propriamente um labirinto para o qual se traçam imponderadas rotas. Pelo menos, não deveria ser assim que o trabalho político deveria ser desenvolvido. No entanto, todos sabemos que são esses os procedimentos. Mais um exemplo.
Sexta-feira, a ministra da Justiça reconhecia, em pleno Parlamento, que poderia adiar a reforma do mapa judiciário, prevista para ser aplicada a partir de setembro, encerrando-se, assim, 47 tribunais. Esse adiamento não implicava uma mudança do que fora pensado, mas, nesse mesmo dia, o secretário-geral do PS garantia que, se os socialistas ganharem as próximas eleições legislativas, reabrirá todos esses tribunais.
Como pode um Governo avançar com uma reforma tão importante sem a concordância do maior partido da oposição? Como é que o maior partido da oposição neutraliza reformas em curso? Do ponto de vista do jogo político-partidário, tudo isto faz todo o sentido. Perspectivando esta questão a partir da vida de todos os dias daqueles que são afetados por estas medidas, tudo parece uma espécie de brincadeira.
Será que, um dia, encontraremos mesmo saída para o progresso?
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