A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2020-04-20 às 06h00
Progressivamente, todos vamos ter de sair de casa. Se o confinamento tem sido pesado, o regresso a uma normalidade outra será estranho. Neste tempo, uma pandemia atirou-nos irremediavelmente para um determinado estilo de vida. De que não gostamos, mas do qual não conseguiremos libertar-nos tão cedo.
Vou ter saudades de andar despreocupada com os sítios onde ponho as mãos, a roupa, a pasta, as chaves do carro, a carteira, o telemóvel... A partir de agora, irei transportar menos coisas comigo, mas sei que tudo terá um enorme peso. O do medo.
Vou ter saudades de tocar nos braços das pessoas mais próximas enquanto falo ou me rio de alguma coisa, de ficar à conversa sem medir qualquer distanciamento social. A partir de agora, os contactos serão sempre calculados pelos centímetros que nos proteja de um contágio que sempre sentiremos pairar sobre nós.
Vou ter saudades da praia. De rumar a sul e resmungar com a falta de espaço no areal para estender as toalhas ou de ameaçar o meu filho que os chutos na bola à beira mar terminariam assim que uma jogada mais mal calculada atingisse alguma pessoa.
Vou ter saudades dos hotéis. De entrar nos quartos, abrir aí a mala e pendurar as roupas em armários desconhecidos... De escorregar nos cadeirões da piscina sem pensar se a toalha cobria todo o espaço ou mesmo se aquele pano estaria assim tão limpo para me deitar de forma tão despreocupada.
Vou ter saudades das aulas em que caminhava sem parar por amplas salas, abeirando-me de cada aluno sempre que alguém me interpelava. De fazer estalar os dedos e dizer para um estudante mais distraído: “Não fique apeado. Quero todos na mesma carruagem”. E, passados poucos minutos, passar ao lado da sua mesa para que percebesse que ali estava eu interessada na sua atenção.
Vou ter saudades do modo como sempre estive na sala de caracterização da RTP. De ali passar sempre com a habitual pressa para ler os jornais pouco me importando se os pincéis já estavam secos, se as almofadinhas da base da cara tinham sido trocadas ou se a escova do cabelo tinha penteado já outra pessoa.
Vou ter saudades de entrar no metro de Lisboa à hora de ponta e de ficar ali apertada no meio de uma multidão até sair umas quatro ou cinco estações à frente e ir a correr para Santa Apolónia ou para Oriente para comprar qualquer coisa que improvisasse o jantar e que eu haveria de comer na mesa da cadeira da minha carruagem, depois de ter trocado o bilhete com o revisor.
Vou ter saudades de deixar o meu filho no colégio e de vir a correr para o carro já a pensar nas tarefas que tinha para fazer. E ali estava eu a arrancar para um dia de trabalho, sem nunca mais pensar se o pequeno estaria em segurança. A meio da tarde, haveria de regressar ali para o apanhar e eis-nos a fazer o caminho em direção do carro muitas vezes levando connosco um colega a quem eu despreocupadamente ajudava a levar a pasta ou um casaco.
Vou ter saudades de ir a casa da minha mãe com o meu filho, sem pensar se seremos nós transportadores do vírus e se, com a nossa visita, estaremos a prejudicá-la em vez de trazer para o pé de si alguma alegria.
Vou ter saudades de tanta coisa..., mas a vida vai continuar. E se houver saúde, já tudo será muito bom. É nisso que teremos sempre de pensar para recuperar mais à frente o futuro que trazemos de uma vida passada.
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