Entre a vergonha e o medo
Ideias
2024-03-05 às 06h00
…o Estado fica todo partido e o Partido fica todo no Estado”.
Assim resumiu Luís Montenegro, com brilhantismo sintético, o histórico governativo do PS. É bem verdade que durante os últimos 8 anos andamos porventura distraídos com pouca uva, esquecendo-nos de olhar para a muita parra com que fomos sendo presenteados por António Costa, mas também pelos seus parceiros de geringonça. Sim, é preciso denunciar, de modo aberto, que a prerrogativa do preenchimento de cargos dirigentes e intermédios nas últimas legislaturas não teve pejo nenhum em nomear pessoal político do PS, mas também do PCP e do BE.
Desengane-se quem acha que os partidos fora do arco do poder se escondem num envergonhado pudor republicano para escusarem-se ao acesso inopinado ao controlo da máquina do Estado. É ver como, um pouco por toda a administração pública, se repetiram procedimentos pouco adequados de nomeações em substituição para que os currículos com pouco peso o fossem ganhando por mero efeito do decurso do tempo.
Lembrem-se da desvalorização, para não dizer escárnio, que o PS sempre expressou quanto ao único mecanismo de validação de competências prévias de candidatos aos cargos dirigentes do Estado que alguma vez funcionou. Falo-vos da Comissão de Recrutamento e Seleção para Cargos da Administração Pública, a infame CRESAP.
Criada no governo da Coligação PSD/CDS-PP liderado por Passos Coelho, esta comissão tinha como grande propósito despartidarizar a escolha dos dirigentes da Administração Pública, tendo como prioridade não afastar quem tivesse filiação partidária, mas evitar que apenas entrasse na esfera decisória do Estado quem mais não ostentasse do que um cartão de militante.
Com as suas falhas e ineficiências, a CRESAP foi, apesar de tudo, uma pedrada no charco de águas fétidas que era o processo de escolha dos dirigentes da Administração Pública.
Uma tentativa não de moralização, mas de eficiência da e promoção do mérito na máquina do Estado, blindando-a dos ataques de mediocridade a que foi repetidamente sujeita e que criaram as condições para que nela grassasse o descontentamento e descomprometimento de quem tem de obedecer a lideranças que verdadeiramente nunca o foram.
Ora, todos nos lembramos das críticas incessantes que o PS foi fazendo à CRESAP, sobretudo depois de ascender ao poder. E como politicamente o preço de a desmantelar era muito alto e demonstrava bem ao que vinha o novo governo, a tática foi outra.
A de na lei colher os fundamentos para desvirtuar qualquer resultado útil da ação dessa Comissão.
O esquema, como já enunciei, é simples. Ao invés de propor três nomes à CRESAP no momento em que a necessidade de nomeação ocorre, o Governo indicava, como é sua prerrogativa, embora se trate de um mecanismo de exceção e não de regra, alguém para desempenhar o cargo vacante em substituição. Esse alguém, que era obviamente a pessoa sempre preferida para desempenhar a função, tinha de ser colocada em salmoura para, pelo processo químico que a caracteriza, perder a água em excesso e ficar apenas com o sal. Isto é, traduzido por miúdos, o proto-candidato(a) perdia todo o teor de inexperiência através do desempenho, de preferência, por largo tempo, do cargo em substituição, assim acumulando os meses ou anos indispensáveis para que a CRESAP o não chumbasse liminarmente. No final, como é de lei, sobrariam três nomes para decisão superior, sendo que, por via de regra, os dois que acompanhavam o proto-candidato(a) serviam de jarro decorativo para embelezar o processo formal de escolha de quem já estaria escolhido à partida.
Assim se cumpriu a ética republicana (que, para os mais distraídos é) a lei, sem que se belisque o propósito maior de um partido que, como bem sintetiza Montenegro vive de e para o Estado.
O que se retrocedeu em matéria de adequação da designação dos cargos dirigentes nos últimos oito anos é suficiente para fazer corar de vergonha os ultravirtuosos e sempre muito púdicos parceiros de extrema-esquerda da famosa geringonça. Mas disso não os ouvem falar.
Pois que se a CRESAP não prestava, o que se deveria ter feito, com coragem política e frontalidade, era liquidá-la. Democraticamente se dizia ao povo que o modelo do mérito técnico sobre a filiação partidária não servia e que o era desejável era manter no controlo dos ministérios e de modo totalmente discricionário a designação do corpo dirigente do Estado.
Ao invés, preferiu-se fingir o cumprimento da modernidade legal para, por via do artifício, se concretizar o propósito real mas escondido de manter na esfera do(s) partido(s) o controlo do Estado.
O que sobra, por isso, também aqui, e após o legado do PS e do majestático e potestativo “habituem-se”, é mais uma ferida no frágil sistema institucional do país, de resto de difícil cicatrização, que nos colocou no paradoxo de ter na lei a certeza do seu incumprimento.
Haja quem nos salve desta triste sina.
13 Junho 2025
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