Entre a vergonha e o medo
Escreve quem sabe
2023-04-11 às 06h00
O hábito é algo interessantíssimo. O ser humano habitua-se a quase tudo, e muitas vezes em tempos rápidos e pouco usuais. Veja-se, por exemplo, a questão da pandemia: todos nos habituámos ao uso de máscara, ao distanciamento e ao isolamento. Se a habituação foi igual para todos? Obviamente que não, visto que a uns custou mais do que a outros. Todavia, foi interessante ver como a obrigatoriedade se impôs, gostássemos ou não.
Durante os anos da última pandemia que vivemos, a saúde apresentou uma evolução tremenda e a exploração biotecnológica cresceu exponencialmente. Os hábitos a nível das unidades de saúde também mudaram, assim como a mentalidade e a intervenção dos profissionais de saúde. Dificilmente se conseguiria manter a vida, e alguma sobrevivência humana, se assim não fosse. Não sei se somos melhores a esse nível, mas somos, sem dúvida, diferentes.
Na passada semana, os nossos representantes decidiram terminar com a obrigatoriedade do uso de máscaras no âmbito dos espaços que providenciam assistência e cuidados em saúde. Na minha opinião, já não era sem tempo, ainda que fosse necessário esperar pela informação epidemiológica relevante para se proceder a esta tomada de decisão. É um passo que necessita de uma alavanca científica segura e fiável, tal como todos os outros passos que se deram durante os últimos anos a nível da saúde.
Esta decisão pode parecer algo de caráter muito reduzido, depois de tudo o que passámos, todavia, apresenta-se como uma intervenção essencial na saúde. A expressão facial é fundamental no âmbito do estabelecimento de relações, em particular naquelas que são desenvolvidas em unidades onde a saúde, a assistência e a proteção social são a base da missão das instituições que as albergam. Logo, as faces ocultas que se estabelecem com as máscaras têm sido dificultadoras dessas mesmas relações, mesmo que o uso de máscaras seja fundamental para conter fontes de infeção e propagação de doenças.
A face, para quem presta cuidados, é um instrumento substancial para estabelecer laços e para a comunicação. Encontrando-se ausente, ou parte dela ausente, torna-se um entrave para quem está a ser assistido ou a ser cuidado.
Quem está deste lado dos cuidados, que apresenta uma certa fragilidade e vulnerabilidade, encontra uma face que se encontra camuflada, não porque existe um desejo de ocultamento, mas sim porque existe uma necessidade de proteção para ambos os lados, para aquele que assiste e para o assistido. Ainda assim, nem todos os que são assistidos conseguem compreender a necessidade de encobrimento, e a relação que é estabelecida, considerada um fator facilitador do processo de melhoria ou recuperação, pode ser comprometida.
Mais, para quem apresenta défices auditivos, ou até ausência de audição, como por exemplo os surdos, a presença de máscara dificulta não somente as relações no campo da saúde, como todas as relações sociais que podem ser desenvolvidas. A leitura de lábios é elementar para estas pessoas e muitas vezes é desenvolvida de forma intuitiva por quem apresenta, somente, défices auditivos, particularmente idosos. Assim, sendo que a população que recorre a serviços de saúde ou se encontra internada nos espaços de saúde é maioritariamente idosa, então o uso de máscara pode, definitivamente, prejudicar o desenvolvimento de cuidados e acompanhamento, visto que a comunicação se encontra lesada.
Se é certo que o ser humano se habitua a quase tudo, também é certo que uns têm mais dificuldade que outros em determinados costumes, sendo o uso de máscara um deles. A nossa face é importante para a comunicação, e mesmo as pessoas cegas muitas vezes pedem para tocar nas nossas faces para perceberem aquilo que estamos a dizer, ou a forma como o estamos a dizer. Se as unidades de saúde são espaços de maior risco ao nível de propagação de doenças? Sim, é certo que sim. Todavia, o compromisso que existe ao nível da comunicação, e consequentemente ao nível da efetividade e qualidade dos cuidados de saúde, leva-nos a refletir sobre a real necessidade do uso de máscaras, e não assente esta somente em dados epidemiológicos.
A legislação atual assegura que as instituições de saúde podem e devem determinar quando se procede ao uso de máscara. Antes da pandemia, estes usos estavam assegurados em determinadas condições, como por exemplo no evitamento de contágio por microrganismos que se propagavam pelo ar. Cabe agora, a cada uma das instituições, usar o bom senso e a ciência para determinar essas condições.
O que não faz muito sentido, também na minha opinião, é que no café ou nos restaurantes, ou seja, em espaços onde existe muita gente, alguns profissionais de saúde façam questão de não usar máscara, para depois, numa simples consulta, a quererem colocar só por «não saberem» quem se encontra à sua frente… Penso que no café ou no restaurante também não conhecerão toda a gente. Haja sensatez, mas também sensibilidade. Se somos profissionais de saúde, então a nossa missão passa por cuidar daqueles que precisam de nós, da melhor forma possível e sem condicionantes, especialmente mentais.
13 Junho 2025
06 Junho 2025
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