Automatocracia
Ideias
2013-05-08 às 06h00
Sócrates não passa despercebido nem deixa ninguém indiferente. É bem-parecido e veste com elegância. É alto de fazer inveja a Marques Mendes e a António Vitorino. Os traços faciais são regulares, talvez um pouco robustos, demais para um actor, mas sem impacto prejudicial num político. É senhor de boa voz, longa, colocada, livre de regionalismos risíveis. Quando fala irradia confiança, e o que diz tem a chancela de verdade irrevogável. Nunca lhe faltou retórica para rebater críticos e adversários. Talvez Louçã tenha sido o único que alguma vez o tirou do sério, em público, no episódio do “manso é a tua tia”.
Sobre estas qualidades cresce-lhe uma competência adicional: a liderança. Sócrates revelou-se um líder carismático: a sua voz de comando não era afrontada, as suas determinações eram cegamente seguidas, nas suas costas não se conjugavam segundas figuras para golpes palacianos. Assentava a sua liderança num inquestionável charme pessoal e na facilidade com que avançava ideias-chave, vividas internamente como aglutinadoras da acção, impostas ao exterior como balizas da disputa político-partidária. Em conclusão: sob a sombra de Sócrates, nada se fazia além do determinado, nada se discutia além do que ele queria.
Reinou até ser cilindrado pela realidade. À sugestão do seu regresso tudo se agita: quererá reconquistar o partido e reentrar em ombros em S. Bento? Quererá o trono mais deslavado de Belém? Nem uma coisa, nem outra - negado pelo próprio. Regressa, porque jamais ficaria fora eternamente; regressa, porque algum dia teria que se defender. Regressa, sentimos nós, porque uma facção do partido o quererá de novo para porta-estandarte.
Sócrates perdeu, e retirou-se. Nada mais havia a fazer após uma derrota estrondosa. Mas do PS não se ouviu uma crítica, breve que fosse, inocente que fosse. Ao longo de dois governos, nunca na Quadratura do Círculo se ouviu a Coelho ou a Costa o menor reparo à condução governativa de Sócrates. Mesmo com o senhor em Paris, nunca as suas opções governativas foram diminuídas.
Em suma: Sócrates era bom, o PS genial. Os sociais-democratas estão em bom rigor nos antípodas: além dos barões, são os críticos e comentadores, prontos para bicar à menor fragilidade. Bem que Menezes quis fazer passar uma norma de expulsão a quem criticasse a liderança, vá lá nos seis meses anteriores a uma eleição.
Sócrates retirou-se, mas não para se enfiar num canto a lamber as feridas. Passe o despropósito da formulação, Sócrates saiu pela porta grande: foi para Paris, para descansar e estudar filosofia. Foi para Paris! Haveria de regressar mais refinado e culto. Portas também fez o número da saída, lembram-se? Deixou o partido nos braços de Ribeiro e Castro, e voltou em menos de um fogacho.
Regressado na pele de comentador atento da realidade, a seu devido tempo ponderará disputar a liderança do partido, e quando o fizer não serão os ares angélicos de Seguro que lhe garantirão a primeira cadeira. Seguro perderá, mas não amuará, porque num gesto que fica sempre bem, sobressairá a unidade do partido, o interesse comum, o superior desejo de servir Portugal. O PS retomará o poder, e Seguro será brindado com um Ministério dentro do seu estilo redondo e consensual, por exemplo o Ministério da Justiça.
Acredito que Sócrates regresse para uma segunda passagem pelo poder, mesmo que hoje afirme o oposto. Duvido que jure fidelidade a Seguro, pela simples razão que jamais o grande se acomoda ao pequeno. Do alto da sua tribuna domingueira, repartindo atenções com Marcelo, cortará a direito tanto quanto quiser. A seu tempo, o partido irá ter com ele, e ele não recusará. A menos que entretanto se espalhe ao comprido num exercício fútil de autojustificação.
A tentação é real. Sócrates achar-se-á uma pessoa grandiosa, uns furos acima do infausto país onde teve a desdita de nascer. Num país liberto de constrangimentos económicos, Sócrates teria sido um estadista de estalo. Mas calhou-lhe Portugal. Acordou a meio do sonho com a palavra bancarrota em letras garrafais diante dos olhos. Há-de querer justificar-se, dizer que não foi assim, dizer que não foi ele. E aí pode meter os pés pelas mãos.
Por agora, aristocracia do PS aclama a rentrée de Sócrates, ironicamente ao mesmo tempo que desanca em Cavaco Silva. Sem perda do que possa ser distinto num e noutro, altivo ou arrogante, são qualificativos que não ficam mal a nenhum destes cavalheiros.
Sócrates não tem enganos, erros ou equívocos, Cavaco também era imune à falha. Sócrates não tinha opositores, nem grilos falantes que lhe despertassem a consciência, a Cavaco compararam-no profusamente ao eucalipto, a espécie que tudo seca em redor.
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